Por Raquel Rolnik

Exatamente no dia 7 de setembro, – quando esta coluna propunha pensar no riacho do Ypiranga como uma metáfora da nação que construimos – veio a público uma inédita e importante decisão do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp) suspendendo a construção de uma torre de 16 andares, com cinco subsolos, na encosta da rua Rocha, a chamada Grota do Bixiga, região central de São Paulo.

A decisão, que suspende liminarmente a construção da obra, decorreu de um recurso apresentado ao Conpresp pelo Coletivo Salve Saracura e outras associações do bairro que saíram em defesa da preservação ambiental, histórica e cultural da área. Uma das últimas áreas verdes que resistem no bairro, na grota se encontram mananciais e nascentes do rio Saracura.

Como no caso do Ypiranga, o Saracura, – um dos afluentes do Ribeirão Anhangabaú –, é mais um rio na cidade que grita para poder continuar existindo e sobrevivendo, apesar das pressões para eliminá-lo.

A construção da Linha-6 Laranja do Metrô de São Paulo, que bomba o rio sem parar, ameaça sua nascente para viabilizar a futura estação exatamente em cima do Quilombo Saracura, área fundamental para a memória, história e permanência de um território negro da cidade de São Paulo. As pressões também vêm do Plano Diretor Estratégico, revisto em junho pela Câmara Municipal. O PDE foi sancionado sem que as devidas correções em relação ao seu modelo anterior fossem feitas, desconsiderando a existência de rios, encostas, vales, memórias e impondo para o conjunto da cidade uma tipologia vertical homogênea que ignora sua diversidade territorial.

Ainda cabe à Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo (LPUOS), também chamada de Lei de Zoneamento, e que está atualmente em revisão, regular essa expectativa criada pelo PDE e que será determinante para o Bixiga.

A pressão popular garantiu, no processo de debate do Plano Diretor, que o bairro deixasse de ser um Eixo de Estruturação Urbana, ponto de uma verticalização irrestrita, permanecendo como zona mista. Mas ali também se demarcou um Território de Interesse da Cultura e da Paisagem (TICP). O que significa, em termos concretos, que essa demarcação ainda carece de regulação. A ação dos coletivos Salve Saracura, Saracura Vai-Vai, Parque do Bixiga e outras organizações do bairro é uma inspiração para que os moradores dos demais bairros da capital paulista se organizem, participem e coloquem sobre a mesa de nossos vereadores outros valores que não apenas a rentabilidade imobiliária.

 

(*) Raquel Rolnik é professora na FAUUSP e coordenadora do LabCidade