Considerações sobre o Concurso Público Nacional de Estudo Preliminar para o Plano de Urbanização do Subsetor A1 da OUCAB
Por Leandro Medrano*
Desde meados do século XIX, o projetar arquitetônico perde autonomia em função de uma disciplina emergente, o Urbanismo. O crescimento desmensurado dos centros urbanos industriais provoca novos acordos entre os fazeres dos arquitetos e as necessidades técnicas, políticas e sociais das grandes cidades em formação. Questões relacionas à saúde pública, à circulação (de pessoas e capital), aos instrumentos de gestão fundiária, às restrições e normativas aos procedimentos da construção, à forma urbana etc., passam a ser compartilhadas com os problemas do edifício – principalmente quando dedicados às habitações coletivas. O habitat e o habitar tornam-se objeto central dos estudos da área, pois essa foi a demanda mais urgente das grandes massas de trabalhadores que buscavam trabalho nas zonas industriais em expansão. Fazer arquitetura, habitação e cidade assemelham-se. E as questões do espaço passam a ser prioritariamente urbanas, do espaço-urbano.
Essa nova ordem disciplinar foi pouco experimentada no Brasil, principalmente na sua maior metrópole industrial, a cidade de São Paulo. Seu processo peculiar de crescimento e urbanização pouco se ateve às questões levantadas por especialistas, que tiveram que se contentar com os acordos pontuais ou com as dificuldades emergenciais, quase sempre vinculados aos interesses da classe dominantes ou ao léxico higienista. Aos mais pobres, restaram os entraves com a cidade “ilegal” que naturalizava-se, em suas extensas periferias, como a forma urbana das grandes metrópoles brasileiras. Estratégia que domesticou conflitos sociais iminentes, e serviu aos esquemas territoriais pretendidos pelo urbanismo rodoviarista, por aqui precariamente implementado.
Nas últimas décadas, intensificaram-se as críticas a esse modelo “espalhado” e desigual que caracteriza o tecido urbano da cidade de São Paulo. Tornaram-se quase consensuais entre urbanistas as teorias, as metodologias e as políticas públicas que privilegiam cidades mais compactas, com diversidade social e de usos, transporte público eficiente, mobilidade não motorizada, áreas de sociabilidade, controle ambiental e espaços livres públicos adequados. Um modelo novo para São Paulo, impossível de ser aplicado – de uma só vez – em todo seu vasto território.
Nesse contexto, as Operações Urbanas surgem como alternativa ao urbanismo genérico das metrópoles emergentes, pois em áreas menores e estratégicas poderiam ser ensaiadas soluções urbanas inovadoras em relação à operacionalidade econômica, à gestão política e às soluções de desenho. Em teoria, considerados os acertos dos “modelos” pontuais, os processos de urbanização e reurbanização seriam aperfeiçoados, e os benefícios locais estendidos à toda cidade. A Operação Urbana Consorciada Água Branca (OUCAB) alinha-se a essa visão disciplinar e deveria concretizar práticas urbanas até então apenas virtualmente almejadas.
Destarte, o Concurso Público Nacional de Estudo Preliminar para o Plano de Urbanização do Subsetor A1 da OUCAB representa uma oportunidade singular a arquitetos e urbanistas engajados com os problemas urbanos de nossas cidades. Não se trata apenas de projetar uma parcela da cidade, mas de idealizar mecanismos e soluções que talvez possam ser aplicados em outras áreas da metrópole ou mesmo em outras cidades brasileiras. E algo de novo deve ser desejado, pois não construímos um modelo alternativo aos desgastados intentos do urbanismo realizado no século XX, cujos entraves já foram amplamente explorados pela crítica e pela vida cotidiana. Ademais, no Brasil, pouco se pode praticar em relação às recentes transformações da disciplina – que avança em todo mundo em função de sua renovada relevância acadêmica, legitimada pelas complexas necessidades de um mundo efetivamente urbano.
–> Confira aqui no blog vídeo de debate sobre o concurso, realizado na FAUUSP em março.
Os concursos permitem pensamentos livres sobre formas e espaços que poderiam contribuir para cidades melhores. E os projetos resultantes, vencedores ou não, permanecem nas discussões acadêmicas e nas práticas profissionais. Por isso a importância de valorizarmos seus procedimentos e suas decorrências como tema da cultura, da difusão científica e da técnica. Ao corpo de jurados cabe a maior responsabilidade: escolher, entre tantos, o que melhor representa essas demandas urbanas tão prementes e atuais.
*Leandro Medrano é professor do Departamento de História da Arquitetura e Estética do Projeto da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.
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