Pedro H Rezende Mendonça
Letícia Lindenberg Lemos
Paula Freire Santoro
Camila Campos de Almeida
A Companhia Metropolitana de Habitação do Estado de São Paulo (Cohab-SP) anunciou que vai vender 900 imóveis até 2020. A medida acompanha uma tendência recente de vender terras públicas para “fazer caixa” para a Prefeitura ou para o Estado. A novidade é mais um símbolo do estreitamento das relações do poder público com o setor privado, em que o interesse público é colocado em segundo plano. Enquanto o patrimônio público bem localizado é disponibilizado para o mercado, as alternativas de habitação para a população mais pobre continuam sendo pensadas em bairros mais afastados.
O próprio presidente da Cohab-SP, Edson Aparecido, disse à Folha de S. Paulo que os terrenos teriam um valor de mercado muito alto, e serviriam melhor como fonte de arrecadação do que para construção de moradia para a população mais pobre. “O valor obtido com as vendas permitirá entregar um número muito maior de habitações do que se resolvêssemos, simplesmente, construí-los ali mesmo”, afirmou ao jornal. Com a venda, a Prefeitura pretende arrecadar 432 milhões de reais, e o plano é converter esse dinheiro em unidades de habitação social em áreas da cidade onde a terra é mais barata.
Com a venda desses terrenos em áreas valorizadas, desperdiça-se a oportunidade de implementar políticas públicas que ajudem, por exemplo, a regular o preço da moradia em áreas centrais. Seguindo a ótica da atual gestão, bairros valorizados continuarão sendo exclusivos a faixas de renda alta, e famílias de baixa renda continuarão tendo como única alternativa a moradia em áreas mais periféricas. A construção da segregação continua se perpetuando na metrópole, e em nenhum momento se discute a cidade de que precisamos no futuro.
Terras públicas, interesses privados
Na prática, o que se observa é que, apesar de o poder público se dedicar a formular estratégias para vender terras públicas, não se dedica para pensar políticas para essas terras. Muitos desses terrenos da Cohab que foram postos à venda, por exemplo, são pequenos e, portanto, justifica-se que não serviriam para receber equipamentos ou habitação na quantidade necessária. Mas isso não se aplica a todos os imóveis da lista, nem pode ser considerado um fator limitador para o uso dessas terras: mesmo pequenos, nada impede que esses terrenos sejam agrupados a outros, por exemplo, que podem estar vinculados a outras secretarias ou níveis federativos.
Na atual conjuntura de crise política, impera a narrativa de que o orçamento público é escasso, e o poder público tem, em grande medida, encarado essa escassez com programas de privatização e desmobilização de ativos em recursos financeiros. Mas essa escolha é uma solução meramente paliativa: na prática, a terra é um bem tão ou mais escasso que recursos orçamentários — e sua disponibilidade é finita e irreprodutível.
Outro problema nessa transação é que, muitas vezes os governos vendem terrenos em áreas onde será necessário desenvolver políticas no futuro – e os imóveis que um dia foram públicos são desapropriados a um preço bem mais alto. É o caso, por exemplo, do que ocorreu na região da Av. Roberto Marinho, onde alguns imóveis públicos foram leiloados e, hoje, o Metrô São Paulo arca com valores altos de desapropriação para relocar os afetados pela construção do monotrilho.
Política habitacional controversa
Além dessa venda de terrenos da Cohab, outros terrenos públicos também enfrentam contradição: alguns terrenos ameaçados de serem vendidos estão ocupados por famílias de baixa renda ou por ocupações culturais. No primeiro caso, as famílias que ocupam atualmente esses terrenos correm o risco de serem expulsas de onde moram para, contraditoriamente, viabilizar políticas habitacionais frequentemente ignoram as necessidades dessas famílias. É o caso das quadras 37 e 38 na região da Luz, que enfrentam um processo de remoção pela Prefeitura para implantação da PPP Habitacional Lote 1, sem que haja definição do futuro das famílias removidas, já que elas não estão incluídas nos critérios de atendimento da PPP.
As famílias da cidade de São Paulo que precisam de moradia — segundo a Cohab, há 474.000 na fila de espera por uma unidade — carecem da apresentação de uma proposta. A Cohab só informou que planeja usar a verba arrecadada com os terrenos na construção de unidades para baixa renda, mas nenhum projeto foi desenhado. Fica claro que a prioridade da gestão não é pensar em soluções para a moradia, mas simplesmente arrebanhar dinheiro em caixa e entregar para o setor privado os poucos e excelentes terrenos que ainda restam nas áreas mais bem servidas de infraestrutura e oportunidades.
E, nesse contexto em que a Cohab reitera que o lugar para construção de habitação social para famílias de baixa renda será nos bairros mais afastados, porque é lá onde a terra é mais barata, reside uma série de contradições — para além do fato de que as terras que estão postas à venda já são públicas. Estão desconsiderados nesse processo as despesas futuras com as quais o poder público costuma arcar ao construir habitação em áreas mais afastadas: será preciso investir na ampliação da infraestrutura básica, como rede de água, esgoto e energia; na oferta de transporte; em equipamentos públicos e serviços básicos de saúde, educação e lazer; dentre outras reformas que serão necessárias para estas novas áreas. Sem contar os gastos para reforçar a infraestrutura de transporte, que precisará ser ampliada para alcançar bairros ainda mais distantes das principais centralidades da cidade, num processo que conhecidamente ajuda a espraiar ainda mais a cidade.
Uma política nesse sentido contraria, inclusive, o que está definido no Plano Diretor — e todo o consenso construído na política urbana dos últimos anos —, que considera a produção de moradia em áreas centrais como ponto chave para o combate à segregação socioespacial e para o reequilíbrio da oferta de moradia em relação às oportunidades emprego. A atual gestão reforça uma ideia de que, às famílias mais pobres, cabe a política mais barata, e esse tipo de pensamento é justamente o que reforça a exclusão, e que impede a cidade de avançar num caminho de redução das desigualdades.
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