Um olhar sobre o aumento de preços, a redução de investimentos e os impactos globais no cenário da construção civil … e da moradia

* por Raquel Rolnik, Daniel Perseguim

Os protestos multitudinários contra as políticas tarifárias de Trump pautaram os impactos econômicos na construção civil e na moradia em abril de 2025 nos EUA.
No dia 5 de abril de 2025, os protestos “Hands OFF” (Tirem as Mãos) reuniram cerca de 5 milhões de pessoas em diversas cidades dos EUA, entre outras pautas, contra as políticas tarifárias do governo Trump. Imagem: G. Edward Johnson – Wikipedia CC BY 4.0

As manobras tarifárias do presidente norte-americano Donald Trump anunciadas no dia 1º de abril de 2025 estão impactando o mundo todo em várias áreas. As promessas – nem sempre cumpridas – de aumento de taxações tarifárias, têm potencial de atingir o setor da construção civil, não só nos Estados Unidos mas também no Brasil.

De partida, nos próprios Estados Unidos o aumento do preço dos materiais e insumos da construção civil, como aço, ferro, gesso (para fazer o drywall), cimento trazem aumento de preços, já que são materiais que os Estados Unidos importam. E o aumento da tarifa de importação vai impactar no preço do produto final.

Além disso, um outro fator já está em curso: cerca de 30% da mão-de-obra da indústria da construção civil norte-americana é composta por imigrantes. Então a política de deportação em massa lançada por Donald Trump também impacta na disponibilidade desses trabalhadores e, portanto, no aumento do preço da mão-de-obra na indústria da construção civil.

Por outro lado, toda a reorganização geopolítica combinada com a expectativa do processo inflacionário que tem sido gerada nos Estados Unidos pode exercer pressão para o aumento da taxa de juros como uma resposta da política monetária do Federal Reserve (correspondente ao Banco Central do Brasil)  para conter a inflação. Juros altos significa dificuldade de acesso ao crédito, e a totalidade dos produtos imobiliários depende de crédito para serem viabilizados, tanto na produção como no consumo. O mercado habitacional é particularmente impactado com o aumento dos juros: com taxas maiores, o acesso à moradia se restringe ainda mais. 

Com a previsão de um cenário recessivo, com aumento do preço da habitação e uma dificuldade muito maior de acesso à moradia por parte dos norte-americanos, o cenário é de deterioração de uma situação já bastante difícil desde a crise financeira hipotecária de 2008. Uma reportagem da agência Reuters revela que houve pressão pela liquidação de títulos do governo no auge da crise de capitais financeiros que se abateu no dia 9 de março. De acordo com os analistas ouvidos pela agência de notícias, foram feitas previsões para um drástico aumento do rendimento do título do governo que se espalharia para hipotecas e empréstimos corporativos, espalhando os danos econômicos.

 

EFEITOS DA RECESSÃO GLOBAL NO BRASIL

Os impactos imediatos de uma recessão mundial que se avizinha seriam de uma drástica redução em investimentos.

No investimento que tem sido planejado pela indústria da construção civil brasileira – como é visto em São Paulo com intensidade enorme nos últimos anos –, muitos dos produtos imobiliários que são lançados são vendidos para investidores que têm algum capital excedente e o alocam em produtos imobiliários. Uma recessão mundial vai diminuir esse capital excedente, disponível para ir para os produtos imobiliários. 

Isto do ponto de vista de um cenário global de recessão com uma diminuição da atividade econômica decorrente da reorganização da geopolítica mundial.

Mas no Brasil há também uma preocupação com o aumento do preço de cadeias de produção específicas. Por exemplo, o aço e o alumínio são insumos bastante importantes para a construção; correspondendo a mais ou menos 2 a 3% dos componentes da indústria da construção. Somando-se o tarifaço, a redução das exportações, o impacto disso na indústria do aço, desenha-se um cenário de pressão para o aumento do preço na indústria da construção civil. 

Nesse cenário de aumento de preços, o produto ficando mais caro,este também se tornará mais inacessível.

 

O FUTURO DA CONSTRUÇÃO CIVIL

A pergunta que não quer calar é: qual é a resposta que o setor vai dar. O atual modelo hegemônico do produto imobiliário é 100% dependente de uma cadeia produtiva que tem uma pegada de carbono muito alta. Na hora em que esse modelo entra em crise, aqueles materiais alternativos, como a bioconstrução por exemplo, podem ganhar um novo impulso. 

Assim, uma janela de oportunidades também se abre para aqueles materiais e formas que apostam na direção da necessidade de diminuição do impacto do carbono e, o que pode ser uma crise paralizante pode também trazer ventos positivos de mudança.

 

* Raquel Rolnik é professora da FAUUSP e coordenadora do LabCidade; Daniel Perseguim é jornalista do LabCidade.