By / 23 de março de 2023

Serviço Funerário de São Paulo: privatizar e conceder definitivamente não são sinônimos de melhora dos serviços

Por Raquel Rolnik*

Desde o dia 7 de março, quando todo o serviço funerário da cidade de São Paulo passou a ser gerenciado pela iniciativa privada, avolumam-se queixas de usuários que denunciam piora da qualidade e aumento dos preços do serviço. O que não falta na imprensa são relatos de quem encontrou preços abusivos, ou pagou por serviços sem sequer saber se o valor seria o justo ou, ainda, teve omitida a informação sobre o Funeral Social, – uma categoria de sepultamento mais barata, com preço fixado em R$ 566.

Tudo isso em momento extremamente frágil e delicado, a morte, a despedida de pessoas queridas, no qual as dimensões administrativas, – que já no cotidiano aborrecem, irritam e consomem energia –, se tornam um peso a mais diante da vida que se vai. Esses problemas provocados pela privatização do sistema funerário foram tema da edição desta quinta-feira (23) da minha coluna “Cidade para Todos”, na Rádio USP.

A justificativa para a concessão do serviço em São Paulo, quando foi proposta pela primeira vez por João Doria quando prefeito ( 2017) era, como nos demais casos de concessão de serviços públicos, o barateamento do serviço e melhoria de sua qualidade. A promessa de maior qualidade seguiu sendo o argumento quando em 2019, a concessão foi aprovada pela Câmara Municipal e sancionada pelo então prefeito Bruno Covas (PSDB). Foi preciso, no entanto, mais três anos para que o edital de licitação avançasse. No período, o certame chegou a ser suspenso ao menos cinco vezes pelo Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCM-SP), que recomendava uma série de alterações. Apenas em junho de 2022, o edital de fato seguiu e garantiu a gestão funerária da capital paulista a quatro empresas por 25 anos.

É evidente que nesse início de operação ocorram eventuais ajustes. Mas o aumento de tarifa, já verificado por vereadores paulistas, deveria ser imediatamente revisto pela SP Regula, – a agência reguladora de serviços públicos do município –, que fiscaliza esse começo de transição. Somente a taxa de sepultamento passou de R$ 40,17 para R$ 295,81.

E, mais do que isso: para além do debate quanto ao que cabe ou não ser privatizado, a concessão do sistema funerário da capital também revela que a equação privatiza e concede não é sinônimo de melhora do serviço e tampouco de garantia de sua universalização.

Hoje, o paradigma da concessão privada, um retorno ao modelo anterior predominante de prestação de serviços públicos, que desde os anos 1930 no Brasil passou a ser feito predominantemente pelo Estado, é uma espécie de pensamento único. E esta narrativa se constrói a partir de dificuldades cada vez maiores para que o Estado consiga prestar serviços públicos de qualidade, fruto da introdução de exigências, controles e outras ações burocráticas que foram sendo impostas para – supostamente – garantir a não corrupção e favorecimento de empresas. O resultado tem sido que estas medidas nem foram capazes de limitar perversas relações entre prestadores de serviços e políticos, nem muito menos melhorar a prestação de serviços estatais.

Diante de um Estado cada vez mais amarrado, aparece a solução mágica de privatizar e conceder os serviços para a iniciativa privada, que não tem estas amarras.

Mas experiências mundiais dão mostras de remunicipalizações e reestatizações, porque nem sempre aquilo que está absolutamente estruturado para gerar um lucro vai conseguir fazer a equação desse lucro se articular com maior eficiência, qualidade e acesso, – inclusive para quem não tem renda. Talvez possamos acompanhar em muito breve algo assim no estado vizinho, de Minas Gerais, onde a população de Ouro Preto se articula para retirar da empresa privada, Saneouro, o serviço de abastecimento de água e tratamento de esgoto, denunciado por tarifas abusivas e a prestação de um serviço ruim. Ou dos grandes movimentos de remunicipalização de serviços de água em cidades europeias e norte-americanas que privatizaram seus serviços nas décadas de 1980/1990.

Precisamos sim enfrentar a crise do Estado, a má qualidade histórica dos serviços públicos. Mas a solução simplista – passa tudo para o privado – tem mostrado que, quando serviços têm que ser fonte de lucro (porque esta é a missão das empresas privadas!), eles se tornam mais caros, inacessíveis e, portanto, ineficientes.

Ouça a íntegra do meu comentário no site da Jornal da USP.

* Raquel Rolnik é arquiteta e urbanista e professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e coordenadora do LabCidade 


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