Publicado originalmente em 30 de outubro de 2024.

O LabCidade apresenta uma série de postagens sobre a Cracolândia de São Paulo. Tema que vem ganhando cada dia mais destaque, ainda mais em ano de eleição municipal. O objetivo desse material, que será divulgado a partir de 23 de outubro, é dar visibilidade a elementos que não aparecem na maioria das coberturas de veículos de comunicação, propagandas eleitorais e espaços de debate.  

Iremos cartografar e desvendar como a existência e a persistência da cracolândia  – nos bairros da Luz, Campos Elíseos e Santa Efigênia – está totalmente relacionada à política urbana e às políticas públicas adotadas de maneira geral, ao contrário da narrativa que relaciona sua existência a um abandono por parte do Estado. Especialmente como a  movimentação da cracolândia – promovida por agentes de segurança pública – e posterior fixação – acordada entre agentes estatais e o crime – criar oportunidades de especulação imobiliária, seja para grandes corporações, seja para grupos criminais. 

Não é coincidência que a Cracolândia esteja localizada  em um território marcadamente popular, com grande presença de moradias e comércios populares. Esse pedaço da cidade, em disputa há mais de um século, foi alvo de inúmeras tentativas de transformação, que mobilizam a ideia de “revitalização”. A partir da década de 1980, se transformou na principal justificativa desses planos urbanísticos, que só mudaram de nome ao longo das últimas três décadas.

Entretanto, essa perspectiva nunca trouxe benefícios à população que reside no território, em especial aos moradores em situação de calçada, dos cortiços, pensões e ocupações de moradia. Essas pessoas, ao passo que não são atendidas pelas poucas políticas de habitação social, cuidado e renda existentes, ficam, na maioria das vezes, nas mãos de circuitos ilegais. 

Entender essa relação entre a existência da Cracolândia e dos diversos ilegalismos existentes no centro – recentemente chamado de Ecossistema do crime – e as apostas da política pública para esse território, é fundamental para não cair em respostas e soluções fáceis, como as narrativas que vem se desenhando nos últimos meses, que apontam que um único ator, o PCC, é quem define a dinâmica de para onde vai e onde fica a Cracolândia.

Os textos que serão publicados são resultado do acúmulo de pesquisas realizadas pelo LabCidade desde 2017, tendo como ponto de partida uma leitura, publicada em junho de 2017, que mapeou os jogos de poder em curso naquele momento em que se retomava uma política mais violenta contra as pessoas em situação de rua concentradas nas cenas de uso. A atualização dessas cartografias, agora em 2024, joga luz sobre as continuidades, rearranjos e novas configurações dos jogos de poder na atual conjuntura. 

Embora ao longo das postagens utilizemos o termo Cracolândia, refutamos as narrativas que colocam a droga como elemento central e propagam a falsa ideia de uma “epidemia do crack” nesse território. O crack está longe de ser o principal problema existente. Para começar, o uso do álcool, droga legalizada e acessível a todos, é muito mais frequente do que comparada com qualquer outra substância. Mas não só isso – entendemos que a questão central é outra: a contínua despossessão socioterritorial, (remoções, despejos, interdições, demolições) contra um território popular, levando a uma situação de insegurança habitacional e a uma sistemática violação de direitos para moradores, comerciantes e a população em situação de rua. A presença de moradias populares e precárias em uma área de interesse do mercado e do Estado, justifica esse processo de despossessão, que mobiliza a presença da droga e do tráfico como justificativa, mas que também tem como alvo as formas de moradia existentes há mais de um século, chamadas de cortiços, pensões ou hotéis – termos que não dão conta da complexidade das relações e dinâmicas habitacionais existentes ali. 

Acompanhe a série “Guerra de Reconquista”: