Por Keila Valente de Souza de Santana, Aluízio Marino, Pedro Henrique Rezende Mendonça, Paula Freire Santoro e Raquel Rolnik

O LabCidade (FAU/USP), com apoio da Fapesp e do IEA/USP, realizou, no dia 23 de novembro, o seminário “Experiências com Metodologias Cartográficas no Enfrentamento da Covid-19 na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP)”.

A primeira mesa do evento contou com a apresentação de resultados preliminares da pesquisa Metodologias Cartográficas para Monitoramento, Prevenção e Recuperação Pós Epidemias na RMSP, projeto que conta com apoio do edital Fapesp UN-Research Roadmap COVID-19. Após a exposição dos pesquisadores do LabCidade, os professores Aluísio Segurado e Eliseu Waldman destacaram a importância dos estudos de cunho ecológico social para fundamentar políticas públicas de saúde e do mapeamento dos diferentes desfechos para analisar a relação entre gravidade dos casos, maiores riscos de transmissão e indicadores sociais como condições de habitação e trabalho precários.

Por fim, foram apontadas as limitações que envolvem a análise de dados secundários de saúde no que diz respeito à qualidade e ao acesso destes dados. Os professores também levantaram as dificuldades de análise espacial em função do acesso diferenciado à saúde, especialmente em casos de internações e tratamento adequado.

Taxas de óbito por Covid-19 padronizadas por sexo e idade de modo a eliminar os efeitos da diversidade da estrutura etária

 

Estimativa de densidade por Kernel do número de internações por Covid-19 em parte da região metropolitana de São Paulo

 

A segunda mesa do seminário foi dedicada ao reconhecimento de experiências, esforços e limites no uso de ferramentas de geoprocessamento pelas secretarias de saúde durante a pandemia. Foram convidados representantes de todas as 39 secretarias municipais de saúde da RMSP, além da secretaria estadual de São Paulo. Participaram com intervenções as secretarias municipais de Diadema, São Bernardo do Campo e da capital, além da secretaria do estado. Como evento interdisciplinar, o seminário também contou com a presença de pesquisadores da área de epidemiologia, urbanismo, geografia e medicina.

A seguir, listamos algumas considerações sobre o que foi observado e discutido no seminário.

Na RMSP, até o momento, identificamos que somente a secretaria da capital e a do estado possuem estrutura e equipes de geoprocessamento com experiência nas análises territoriais em saúde. Nos demais municípios, quando há uma produção cartográfica, essa depende do esforço individual de funcionários(as) públicos(as). É o caso de Diadema e São Bernardo do Campo, onde técnicas de carreira das secretarias de saúde mobilizaram sistemas de informação geográficos para compreender a disseminação espacial da Covid-19 na escala local.

Além da importância dessas ferramentas e da utilização de dados espaciais para orientar a política local de saúde, também foram destacados ao longo das intervenções alguns importantes desafios a serem superados, principalmente com relação a ausência de estrutura e a capacitação de pessoal para acesso à tecnologia em escala local.

Independentemente de as secretarias municipais de saúde possuírem ou não capacidades em geoprocessamento, há uma desconexão entre a produção de dados agregados das secretarias e os profissionais, para os que estão na ponta do sistema de saúde. Quem produz os dados nos hospitais e unidades básicas não tem possibilidade de enxergar os dados que ajudaram a produzir em seu território. Quando isso acontece, depende da mobilização de mapas em papel elaborados, muitas vezes, sem os meios e suportes adequados.

No geral, há limitações em infraestrutura tecnológica – falta de computadores adequados e internet estável –, e formação técnica – para o uso de geotecnologias. Além disso, tampouco estão disponíveis tecnologias intermediárias que permitam a relação entre o registro de dados das pontas e as leituras em outras escalas, em especial a metropolitana.

Há necessidade de compreensão mais ampla sobre os benefícios no aprendizado e aplicação do geoprocessamento em estratégias de saúde. Para mais do que uma ferramenta de construção de mapas para apresentações isoladas, o geoprocessamento se revela como uma tecnologia de gestão em saúde capaz de incorporar os mais diversos níveis de assistência fornecidos pelo SUS, além de integrar a mais tecnologias como gestão de contratação e transparência de dados.

Foi amplamente defendida a construção e divulgação de procedimentos e/ou normativas para a adoção das tecnologias de geoprocessamento na escala municipal, bem como, a formação de núcleos de geoprocessamento permanentes como parte da estruturação do SUS.

As apresentações e discussão também trouxeram o desafio de realizar um acompanhamento integrado e complementar entre todas as secretarias municipais e a secretaria estadual, posto que as epidemias não respeitam limites administrativos e muitas vezes têm dinâmicas de disseminação de caráter metropolitano e regional – como é o caso da Covid-19. A gestão de dados de saúde demonstrou ser insuficiente também para análises em geoprocessamento, sendo apontada vigorosamente a precariedade dos processos de automação digital na produção e no acesso aos dados, comprometendo, inclusive, sua qualidade.

Por outro lado, pudemos verificar que a análise cartográfica da pandemia, produzida pelo LabCidade e outras entidades de pesquisa, foi apropriada pela população e discutida pelas próprias equipes de saúde em diversas redes informais e formais, bem como, incentivou o uso das geotecnologias em setores que até então não haviam produzido cartografia da saúde. Apesar de todo o desafio e limitações encontrados pelas equipes de saúde, foi observado um esforço, por vezes, para além do horário de trabalho, em construir uma análise territorial sobre a pandemia, e também para as demais epidemias ainda em vigor na sociedade, por meio do uso do geoprocessamento.

Após 170 anos do famoso mapa de mortes por cólera em Londres de John Snow, considerado pai da epidemiologia moderna, a necessidade da leitura territorializada da disseminação da pandemia expôs não somente a importância da análise cartográfica da disseminação dos agravos em saúde em escala local para o desenho de políticas públicas, como também, as limitações das estruturas de saúde em escalas mais amplas.

Confira o seminário:

 

(*) Keila Valente de Souza de Santana é pós-doutoranda FAU-USP e pesquisadora do LabCidade; Aluízio Marino é pós doutorando pela FAUUSP e coordenador do LabCidade; Pedro Henrique Rezende Mendonça é arquiteto e urbanista pela FAU-USP e pesquisador do LabCidade; Paula Freire Santoro é professora doutora da FAUUSP, pesquisadora do programa sabático do IEAUSP e coordenadora do LabCidade e Raquel Rolnik é professora na FAUUSP e coordenadora do LabCidade.