por Raquel Rolnik*
O prefeito não disse exatamente com estas palavras, mas o que a prefeitura de São Paulo pretendia com a antecipação de feriados era evitar a decretação de um lockdown, ou a interrupção forçada da circulação, decisão que certamente seria (ou será?) objeto de muitas críticas. Ou seja, procurando evitar um possível desgaste político que a decretação de um isolamento total poderia acarretar, a prefeitura tentou obrigar as pessoas a ficar em casa, sem, no entanto, obrigá-las. Assim como já havia feito na semana anterior, com o novo rodízio.
Infelizmente, nos parece que essa estratégia não está sendo bem sucedida, assim como foi também aquela de transformar o rodízio em uma proibição de 24h aos carros em dias pares e ímpares, conforme o último dígito de suas placas. No caso do rodízio, o próprio prefeito admitiu o insucesso e suspendeu a medida — no máximo, o isolamento social oscilou 1% em alguns dias da semana passada e o transporte público ficou cheio. No primeiro dia do feriadão – quarta feira — de acordo com os dados a oscilação foi de 3% – de 48% a 51% de isolamento na comparação com a quarta feira da semana anterior.
Além disso, a decisão provocou pânico nos municípios da Baixada Santista e Litoral Norte, que se viram na iminência de serem invadidos pelos paulistanos.
Mas afinal de contas, por que não cai a taxa de isolamento social, apesar destas medidas? Não é possível pensar em estratégias de prevenção de difusão da pandemia sem procurar compreender as razões que levam metade da população paulistana a não mais circular, considerando que “não circular” tem sido a palavra de ordem adotada pelo governo da capital até o momento.
Há quem atribua a não adesão ao isolamento a uma possível “descrença”ou “falta de consciência” por parte de uma parcela ampla dos moradores da capital. Não é o que aparentemente dizem os números. Uma pesquisa patrocinada pela XP sobre a opinião dos brasileiros a respeito do isolamento social revela que 76% acredita que o isolamento é a melhor forma de prevenir e tentar evitar o aumento da contaminação pelo coronavírus. Ou seja, apesar da campanha contrária por parte do presidente e seguidores, menos de 10% da população realmente avalia que o isolamento não é o melhor caminho para enfrentar a crise.
Então, o que leva os paulistanos a circular? Em primeiro lugar, temos que considerar os trabalhadores e trabalhadoras cujos empregadores não liberaram do trabalho presencial. Além dos que movem os serviços essenciais — quantos são? onde moram? como se deslocam? — também muitas empresas não essenciais continuam funcionando. De outro lado, há um exército de trabalhadores informais e/ou autônomos, que dependem de rendimentos diários de seus trabalhos. De acordo com reportagem do Agora, apenas 6 de cada 10 trabalhadores informais recebem auxílio emergencial . Além disso, sabemos que numa cidade como São Paulo 600 reais por mês não cobrem custos mínimos de sobrevivência. Neste ponto, uma estratégia responsável de isolamento também procuraria saber quem são, onde estão, e que condições tem esse contingente de parar de circular.
Finalmente, as reportagens que cobriram o impacto do feriadão sobre a circulação em São Paulo na quarta feira, apontaram a intensa presença de pessoas nas ruas em bairros populares. Este é outro ponto importante para se entender a natureza da estratégia de isolamento. O modelo de isolamento social — a família nuclear confinada em casa concentrando ali suas atividades profissionais e escolares por meios digitais, vivendo horas de lazer ouvindo música ou vendo filmes, corresponde a um modelo de família, de casa, de hábitos de trabalho, de cultura e de lazer de que percentual exatamente da população? Provavelmente menos de 50%. Isso significa simplesmente que outras estratégias, para além desse modelo, irreal para as maiorias devem ser mobilizadas. Em primeiro lugar estratégias que realmente protejam quem está trabalhando, garantindo condições muito mais seguras de circulação. Mas também, um olhar e uma escuta — absolutamente raros na elaboração das políticas públicas — para além do universo de classe média, sua cultura e forma de organização da vida e espaço doméstico não apenas porque, senão, se erra sem parar nas intervenções. Porém, desta vez, o custo deste “classe média branca centrismo” das políticas são milhares de vidas.
*Professora da FAU-USP e coordenadora do LabCidade. Coluna originalmente publicada no UOL.
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