Projeto de fachado do Alto São Domingos, da Cury Imagem: Reprodução/Cury.
O Ministério Público de São Paulo abriu, em janeiro de 2025, uma ação pública contra a prefeitura de São Paulo a partir de várias denúncias, inclusive com citações de pesquisas do Labcidade, que revelam como a política de incentivos urbanísticos foi fraudada.
A ação civil pública aponta que, a partir dos incentivos para produção de habitações de interesse social (HIS) disponibilizados pelo Plano Diretor de 2014, incorporadoras se beneficiaram de isenções e subsídios, mas fraudaram a destinação destas unidades
As pesquisas têm evidenciado que os estímulos urbanísticos aparecem como mecanismos de acumulação do complexo imobiliário-financeiro com grandes limitações para a promoção de inclusão socioespacial, que era o objetivo declarado da política pública.

A avaliação dos resultados destas políticas tem sido objeto de pesquisas do Labcidade, em especial da Frente de Pesquisa sobre Regulação Urbanística, coordenada pela profa. Paula Santoro (FAU-USP).
De acordo com a professora, “a centralidade do tema da habitação social na cidade tem sido mobilizada como justificativa para abertura de grandes frentes de aplicação imobiliária do capital financeiro, sem no entanto incidir de fato sobre esta”.
“A financeirização da ‘agenda internacional da habitação a preços acessíveis’ vem estabelecendo a instrumentalização ideológica como estratégia central para o aumento da rentabilidade de grandes incorporadoras de capital aberto nas lógicas da habitação como um ativo financeirizado”, define Santoro.
Entenda a fraude das Habitações de Interesse Social em São Paulo
Com base no programa de construção de habitações populares na cidade elaborado para o Plano Diretor de 2014, incorporadoras estabelecidas na cidade conseguiram uma série de benefícios e isenções de impostos. A ideia original seria promover o adensamento de áreas bem servidas de transporte público de massa – como metrôs, trens e corredores exclusivos de ônibus – com moradias populares.
Várias incorporadoras registraram então seus empreendimentos como HIS para obter as vantagens, mas na verdade construíram studios ou outros produtos e os comercializaram para investidores e outros compradores que nada tem a ver com as faixas de renda para as quais estes incentivos foram pensados.
O processo aberto pelo Ministério Público determinou que a Prefeitura agisse para identificar e punir os infratores. A prefeitura começou, então, a notificar incorporadoras. Foram mais de 200 notificações envolvendo um número superior a 25 mil unidades habitacionais. Apenas 4 empreendimentos que já foram multados já estão tendo que pagar multa superior a 30 milhões de reais. Outros cerca de 240 mil apartamentos estão na mira do MP, de acordo com reportagem do UOL. Parte deles foi erguida em bairros nobres como Pinheiros, Vila Madalena e Vila Olímpia.
De acordo com reportagem de O Globo, “uma das incorporadoras punidas deixou de pagar mais de R$4 milhões somente de outorga onerosa, sem contar as isenções de ISS, porque fez unidades classificadas como HIS em seu empreendimento”.
As pesquisas do LabCidade sobre o tema
As ações jurídicas sobre as fraudes do aluguel social tiveram importante evolução a partir dos resultados das pesquisas desenvolvidas pelo Labcidade nos últimos anos que já alertavam para o perigoso direcionamento financeirizado na expansão imobiliária da cidade.
Ainda em 2023, em audiência pública na Câmara dos Vereadores, a coordenadora do Labcidade Raquel Rolnik cobrava mudanças no substitutivo do PDE que ampliava a produção de HIS, indicando que “esse enorme boom imobiliário que aconteceu na cidade, que aumentou a oferta de unidades residenciais… Surpresa! Não correspondeu a uma maior oferta ou acesso à moradia de quem mais precisa. Pelo contrário, no mesmo momento em que nós vivemos um boom imobiliário na cidade com aumento de unidades residenciais, nós estamos vivendo a pior crise de moradia que essa cidade já viveu nos últimos anos”.
“A esperança de não produzir mais extensão nas periferias, desmatar mais, criar loteamentos irregulares lá longe, essa era a esperança da produção de mais potencial construtivo e mais verticalização, ela não aconteceu. Nós estamos vendo todos os dias novos assentamentos precários. Portanto, é preciso chamar os estudos para entender a falácia da HIS” denunciou Raquel Rolnik.
O Plano Diretor de SP de 2014 apostou na estratégia de construir junto ao transporte coletivo, na esperança de produzir moradia para quem mais precisa. O fim, porém, não foi alcançado e seus meios, na revisão, merecem ser corrigidos. Mas com este substitutivo podem ser piorados + pic.twitter.com/gJfyvfRU4i
— Raquel Rolnik (@raquelrolnik) June 16, 2023
Confira abaixo alguns resultados das pesquisas divulgados através de posts e artigos científicos. O artigo científico “Fake HIS: a falsa inclusão nos eixos de mobilidade via produção habitacional de mercado” contribuiu para fundamentar a denúncia do MPSP.
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Fake his: a falsa inclusão nos eixos de mobilidade via produção habitacional de mercado
Laisa Eleonora Maróstica Stroher, Paula Freire Santoro, Henrique Giovani Canan, Paula Victoria Souza
Resumo: Ocorre uma evidente instrumentalização da habitação de interesse social (HIS) como um “falso problema” que justifica diversos incentivos urbanísticos e habitacionais à produção imobiliária de mercado, que é produzida, mas é inacessível para quem mais precisa de moradia, uma “fake HIS”. No artigo, após a introdução, em que problematizamos os incentivos para HIS e nos Eixos, analisamos as dinâmicas relativas à espacialização dos lançamentos imobiliários entre 2008 e 2019 para o segmento econômico; as características desses imóveis nos subespaços analisados dos Eixos, Centro e Zona Leste (preço e tamanho); e as incorporadoras que se beneficiaram dos incentivos. As cartografias e análises mostram que, apesar dos incentivos, a produção não se dá nos Eixos, áreas bem servidas de transporte público, e nas suas raras ocorrências, produz microapartamentos caros. Os Eixos parecem seguir a mesma lógica de homogeneização por meio de produtos imobiliários voltados a estratos sociais de maior renda. A produção se distancia da desejada inclusão socioespacial e está ainda mais envolta nos mecanismos de acumulação financeira-imobiliária, nas lógicas da habitação como um ativo financeirizado.
Disponível em: https://www.revistas.usp.br/posfau/article/view/215111
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Trabalho Final de Graduação – Habitação de Interesse Social – Da Insurgência ao Produto Imobiliário Corporativo
Paula Victoria Souza
Resumo: A produção imobiliária que atualmente vem se desenhando no município de São Paulo demonstra uma mudança considerável de perspectiva. Antes a provisão habitacional de interesse social se encontrava fundamentalmente pautada na ideia da compra da casa própria, hoje a perspectiva é outra. As plataformas de aluguel financeirizado ganham espaço cada vez maior, na medida que se observa a participação crescente de investidores no mercado de locação social. A linguagem que antes tratava de uma aquisição pautada pela conquista de um direito é captada pelo discurso mercantilista do Build-to-Rent e multifamily, por exemplo.
Disponível em: https://drive.google.com/file/d/1JH47zgOtqlaVTgIcpRK0-qFGT2cSshX9/view?usp=sharing
Outros artigos postados no site do Labcidade:
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A falácia da Habitação Social no PIU Setor Central
O Projeto de Intervenção Urbana Setor Central (PIU-SCE), recém-sancionado pelo prefeito Ricardo Nunes, ao dar descontos abusivos e gratuidades no pagamento da contrapartida da outorga onerosa do direito de construir, ampliava a zona de privilégios para o complexo imobiliário-financeiro.
https://www.labcidade.fau.usp.br/a-falacia-da-habitacao-social-no-piu-setor-central/
Labcidade 22 de setembro de 2022
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Novos empreendimentos residenciais em Barcelona devem ter 30% de habitação social
A experiência de Barcelona nos dá duas referências importantes para repensarmos nossa política habitacional: a necessidade de proteção das unidades de interesse social e a pactuação da responsabilidade da sua produção com o mercado privado, a fim de desatarmos o nó da histórica produção desigual das cidades brasileiras.
https://www.labcidade.fau.usp.br/novos-empreendimentos-residenciais-em-barcelona-devem-ter-30-de-habitacao-social/
Simone Gatti, 20 de dezembro de 2018
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