Vitória do movimento que por anos lutou por um parque aonde seriam construídas torres
Raquel Rolnik*
Neste sábado, 6 de abril, às 10 da manhã, as construtoras que são as atuais proprietárias da área reivindicada pelo movimento “Parque Augusta 100% Público” finalmente assinarão as escrituras que transferem os terrenos para a Prefeitura. A cerimônia ocorrerá no próprio local, encerrando uma disputa que se estendeu por anos. O acordo que possibilitou a doação do terreno para a prefeitura foi feito a partir de muita mobilização da sociedade civil, da interveniência do poder Judiciário e Ministério Público e do uso de um instrumento regulamentado desde o Plano Diretor de São Paulo de 2014, denominado Transferência do Direito de Construir (TDC).
O instrumento da TDC foi pensado para oferecer uma espécie de compensação para os proprietários de terrenos, que por razões de interesse público – tipicamente a preservação ambiental e/ou cultural – sofrem restrições no potencial de aproveitamento de seus terrenos em comparação com seus vizinhos inseridos na mesma zona. O TDC permite que o potencial construtivo básico (que para a área urbana de São Paulo é de uma vez a área do terreno) não utilizado naquele terreno, em função dessas restrições, possa ser vendido para outro terreno – em outro local que, por sua vez, de acordo com o Plano, possa receber um potencial construtivo maior do que o básico.
Este era justamente o caso do terreno do Parque Augusta, uma Zona de Preservação Ambiental (ZEPAM) que tinha um potencial construtivo de 0,1, portanto menor do que o básico. O Plano Diretor também estabeleceu que, caso o proprietário, além de transferir o potencial também concordasse em doar este terreno para Prefeitura, ganhava uma espécie de bônus a mais nesta transferência. Foi exatamente isso que aconteceu. Assim, no momento em que os proprietários doarem o terreno para a Prefeitura, receberão “certidões” de transferência que poderão posteriormente utilizar em seus próprios terrenos em outros locais da cidade ou vender para outras incorporadoras.
E como será implantado o parque sobre o terreno? Antes das construtoras adquirirem os terreno de seus antigos proprietários, a área bastante arborizada já era usada pela população como parque. Mas, em determinado momento na disputa entre as construtoras (que desejavam erguer ali duas grandes torres) e residentes e usuários do entorno (que lutavam pelo parque e promoveram várias ocupações do local), as empresas cercaram todo o terreno com tapumes.
Esta atitude gerou um dos vários processos na justiça em torno do terreno e sua utilização e a decisão da Justiça foi pela ilegalidade do fechamento e o estabelecimento de uma multa. Parte importante do acordo final em torno do parque foi a negociação dessa multa, que será um pouco mais de R$ 10 milhões. Pelo menos 60% desses recursos vão ser utilizados para as obras de estruturação do parque, incluindo a restauração da portaria e do palacete em que funcionou por 63 anos, até 1969, o colégio Des Oiseaux. Além disso R$ 2 milhões serão destinados para garantir a manutenção do parque nos próximos dois anos.
Mas nem tudo está equacionado e resolvido no acordo, firmado entre as partes no ano passado, e que agora começa a se concretizar com a doação da área. Uma das reivindicações centrais do movimento que luta pelo Parque Augusta é que sua gestão seja compartilhada e que o processo de apropriação coletiva deste pedaço da cidade, para acolher a vida, e não a renda, não termine, e sim comece, com a transformação em parque deste terreno 100% público.
* Raquel Rolnik é professora da FAU-USP e, ao lado de Paula Santoro, coordenadora do LabCidade. Texto originalmente publicado no UOL.
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