Por Talita Gonsales *
Em setembro de 2019, o Observatório de Remoções participou do 2º Seminário Nacional de Desapropriação e Reassentamento, evento organizado em Brasília pelo DNIT – Departamento Nacional de Infraestruturas de Trânsito, a autarquia federal responsável pela construção, manutenção e ampliação das rodovias federais. O DNIT está constantemente lidando com desapropriacões que envolvem, quase sempre, o deslocamento dos ocupantes, sejam as de áreas ocupadas por indivíduos e famílias que não possuem título de propriedade registrada (ou seja, que são locatários ou posseiros), como as de áreas envolvidas em conflitos fundiários e indefinições em relação a sua propriedade. Para o Observatório das Remoções, o destino das famílias deslocadas é um tema central que raramente é abordado quando da elaboração de projetos viários.
Ao longo do seminário diversas questões foram trazidas ao debate: os aspectos físicos e jurídicos nos processos de desapropriação, estratégias de mediação coletiva sobre indenização para as famílias que serão removidas (nomeados por ‘mutirões de desapropriação’), estudos de caso em três estados (SC, RS e MG) que apresentam formas e estratégias de atendimento, e novas tecnologias que podem contribuir no mapeamento e fiscalização das chamadas faixas de domínio e áreas não-edificantes. Porém, a maior parte da discussão se deu no âmbito de questões relacionadas aos procedimentos para realização de desapropriações, os métodos de cálculo das indenizações para os atingidos e tipologias de atendimento do DNIT. O próprio órgão possui um manual próprio de 2011, chamado “Diretrizes básicas para desapropriação”, que regula como devem acontecer esses processos.
Infelizmente, tanto nas diretrizes adotadas pelo órgão como nos debates e apresentações que ocorreram durante o Seminário, pouco se avançou nos procedimentos para as famílias que estão em situação de posse, uma realidade que encontramos com grande frequência nos casos acompanhados pelo Observatório. Tratam-se de famílias, quase sempre de baixa renda, que encontram-se nas mais variadas situações, podendo estar em comunidades consolidadas há décadas ou em ocupações mais recentes.
Técnicos do DNIT informaram que dão início aos processos a partir do cadastramento das famílias que estão sob as áreas a serem desapropriadas por meio da aplicação da Pesquisa Básica de Vulnerabilidade Social – PBVS. De acordo com as orientações internas, ao identificarem situações de vulnerabilidade, a indenização das famílias em situação de posse é calculada a partir das chamadas benfeitorias na área em discussão. No caso de não se encaixarem nos índices de vulnerabilidade do DNIT, as famílias recebem apenas parte das benfeitorias. Ou seja: em todos estes casos, na melhor das hipóteses as famílias vão receber parte do que investiram na área, o valor dos serviços realizados para adequação do terreno e o valor do material construtivo das casas, sendo estes majoritariamente baixos, já que se tratam de áreas em situação de precariedade. Sendo assim, a indenização é absolutamente insuficiente para garantir um reassentamento – e certamente vai gerar uma nova ocupação num futuro próximo.
Apesar das preocupações notadas ao longo do seminário, vale questionar de que forma o conjunto dos órgãos envolvidos nessa discussão não assume qualquer tipo de responsabilidade por estarem intervindo, em boa parte dos casos, em áreas onde há uma concentração de famílias em situação de vulnerabilidade socioeconômica. Seja diretamente ou através da articulação com outros órgãos, como por exemplo aqueles encarregados pela política de moradia, a atuação (ou falta de) contribui para que as famílias acabem piorando ainda mais sua condição após o deslocamento.
Dessa forma, é como se um véu de invisibilidade sobre estas situações – que não são nada minoritárias no país – protegesse a responsabilidade de todos os envolvidos e encobrisse processos, que, por não serem tratados e enfrentados abertamente, acabam por ter efeitos perversos, piorando a situação dos atingidos.
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