Neste momento em que jovens chilenos estão nas ruas, penso como é importante aprendermos duras lições uns com os outros. Ao Brasil, o alerta dos lugares para os quais podem nos levar as reformas atualmente propostas. Para o Chile, atenção para os fascismos populistas que rondam perigosamente movimentos intensos de insatisfação.
Por Raquel Rolnik *
Quando, no início do mês de outubro, eclodiram os protestos dos estudantes, sobretudo secundaristas, em função da tarifa do metrô na capital Santiago, não pudemos deixar de lembrar de 2013 nas grandes cidades brasileiras. Assim como aqui, a fúria nas ruas de 2013 não era apenas pelos R$ 0,20 da tarifa, mas por um modelo de gestão de cidade e de país que não responde aos anseios das maiorias por uma vida melhor.
Tanto é verdade que, embora Piñera tenha voltado atrás no aumento, um grande protesto está sendo convocado para amanhã, segunda-feira, 21/10. A indignação cresceu quando os estudantes, sobretudo secundaristas, foram violentamente reprimidos pela polícia, que classificou o ato de pular catracas como “barbárie de delinquentes”. As imagens da força desproporcional empregada não puseram fim aos protestos. Pelo contrário, a resposta violenta do Estado desencadeou inclusive incêndios e quebra-quebra, e garantiu a adesão dos sindicatos, coletivos e a população usuária de transporte público, para muito além da capital. Na sequência, o toque de recolher e o Exército nas ruas aumentou ainda mais a indignação e os protestos continuaram.
O grande ato convocado para acontecer hoje em várias cidades do Chile já não tem mais a ver com o aumento do preço da passagem, uma das mais caras da América Latina. É a ponta do iceberg de um descontentamento que se acumula diante da falta de acesso à saúde e educação de qualidade, das aposentadorias indignas, dos salários que só perdem o poder de compra frente a um custo de vida cada vez mais caro, incluindo a dívida universitária que aumenta sem cessar, já que todo o ensino universitário é pago. A este caldo acrescenta-se os casos de corrupção envolvendo a polícia e os militares (Pacogate e Milicogate) e investigações em torno da venda de armamentos ao narcotráfico, que tem aumentado sua presença no país.
O Chile, desde os anos 1970 foi o grande laboratório de políticas neoliberais na América Latina: privatizações massivas, previdência pública substituída por regime de capitalização, desregulamentação do transporte, entre outras reformas que anda hoje fazem parte da agenda de vários governos no continente, inclusive da agenda Guedes/Bolsonaro. Desde que os estudantes tomaram as ruas há alguns anos protestando contra a dívida estudantil e a privatização do ensino, a juventude chilena nascida sob este novo regime se insurge diante de seus impactos na piora (e não melhora) de suas condições de vida.
Lembrando 2013, as grandes manifestações que tomaram as cidades do país clamando por governos capazes de, de fato, garantirem serviços públicos acessíveis e de qualidade, respeito e dignidade, infelizmente acabou sendo capturada por um movimento populista e fascista, em aliança com uma agenda ultra neoliberal. Neste momento em que jovens chilenos estão nas ruas, penso como é importante aprendermos duras lições uns com os outros. Ao Brasil, o alerta sobre aonde as reformas que estão sendo propostas hoje podem nos levar. Para o Chile, atenção para os fascismos populistas que rondam perigosamente movimentos intensos de insatisfação, como ocorreu no Brasil de 2013.
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