Por Raquel Rolnik
Oito anos depois da tentativa de 196 países em conter o aquecimento global por meio do Acordo de Paris, continua enorme a distância entre o que está escrito nos protocolos e planos, e o que de fato está sendo implementado diante dos efeitos da grave emergência climática que já enfrentamos.
Basta constatar a pouquíssima importância da discussão do ponto de vista urbano na 28ª Conferência do Clima da ONU, em Dubai. O principal fórum mundial de debate sobre o clima, que teve início na última quinta-feira (30), teve como destaque o encaminhamento do balanço e revisão das metas do acordo, que tenta limitar o aquecimento global em 1,5 ºC. A proposta do campo científico é reduzir em 43% as emissões de gases de efeito estufa já nesta década, ou seja, em 7 anos. Apesar da urgência, a contribuição do modelo carbonocêntrico hegemônico na estruturação das próprias cidades não tem ganhado destaque nos debates.
Há um mês, os dados do Sistema de Estimativa de Emissão de Gases (SEEG) do Observatório do Clima, com base em informações de 2021, revelaram que o setor de transporte é o segundo principal perfil de emissões por atividade econômica no Brasil.
Foram 203,8 milhões de toneladas de CO2 emitidas em 2021. O que corresponde a quase o dobro do valor emitido em função do desmatamento no bioma Cerrado, compara o estudo. Os caminhões são os que mais emitem gases de efeito estufa, com 42%, acompanhados pelos automóveis, 31%. E, para além dos sistemas de transporte, baseados na queima de óleo diesel derivado do petróleo, há ainda a própria infraestrutura para receber esse tipo de transporte: o asfalto. Outro item derivado da queima de combustíveis fósseis, o grande agente dos gases danosos ao clima.
Estamos falando de um complexo de circulação e transporte constituído por asfalto, máquinas de circulação movidas a motores de combustão, carros, motos e caminhões que queimam combustível fóssil e que, juntos, constituem um dos piores flagelos das emissões de gases de efeito estufa. Mas que não abordamos com a devida centralidade que merecia, comparando, por exemplo, com o também urgente debate contra o desmatamento.
Mas não é por acaso que este tema tem enormes dificuldades de avançar. E a razão é a enorme força do lobby do complexo do petróleo. Aliás, a conferência do clima está acontecendo nos Emirados Árabes Unidos (EAU), o berço produtor do combustível fóssil. E seu anfitrião é o CEO da petroleira estatal Abu Dhabi National Oil Co (Adnoc), Sultan al-Jaber, acusado de usar a COP28 para “fechar acordos de petróleo e gás”, com vários países, incluindo o Brasil, de acordo com reportagem publicada da BBC News.
O que se encaixa perfeitamente na descrição do diretor da América Latina da 350.org, Ilan Suguiman: “É mais ou menos como se a gente tivesse a conferência mais importante de saúde pulmonar do mundo presidida pelo CEO de uma indústria de cigarro”.
A forte presença lobista da indústria petrolífera dentro da COP bloqueia as expectativas de avanço, apesar do progresso em torno da discussão sobre o quanto os países ricos devem pagar às nações pobres para que essas possam enfrentar as mudanças climáticas. Mas não entrar a fundo na discussão do modelo de circulação é um limite seríssimo que estamos impondo para avançar como deveríamos.
(*) Raquel Rolnik é professora na FAUUSP e coordenadora do LabCidade
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