*Por Raquel Rolnik
O metrô de São Paulo acaba de receber autorização por parte da Comissão de Proteção à Paisagem Urbana, que faz a gestão da Lei Cidade Limpa, para poder mudar sua sinalização incorporando aos nomes das estações marcas de produtos e empresas. A companhia do metrô pretende abrir um edital para poder conceder por 20 anos os nomes de suas estações para empresas, como aconteceu no Rio de Janeiro, onde a estação Botafogo passou a se chamar Botafogo/Coca-Cola. Além das marcas associadas à identidade da estação, teremos propagandas dessas empresas dentro dos trens, inclusive durante os avisos sonoros do metrô. Para ter o direito de renomear as estações do metrô, as empresas deverão pagar um valor mensal. A concessão deverá ser lançada nos próximos meses.
Do ponto de vista das prioridades é no mínimo o estranho que o metrô, em plena pandemia, esteja colocando sua energia de investimento e gestão para tentar aumentar sua rentabilidade — essa foi uma das justificativas apresentadas para o projeto de concessão de nomes das estações, uma forma de compensar a perda de receita decorrente da perda de passageiros em função da pandemia. Será que a política do metrô em relação a pandemia não deveria ser neste momento pensar em como o metrô poderia proteger do contágio as pessoas em seus trajetos, pessoas que necessariamente precisam utilizá-lo?
Muito pouco foi feito em relação a isso, como é possível perceber ao se analisar as denúncias (em jornais, redes sociais e outras comunicações), da superlotação dentro dos trens ao longo do ano passado e também deste. Em matéria do último dia 18 (Aglomeração é a principal preocupação dos usuários de metrô em São Paulo), o jornal Agora São Paulo divulgou pesquisa feita pelo Metrô paulistano que mostrou que 44% dos usuários classificam a segurança sanitária do transporte como “regular”, “ruim” ou “muito ruim”.
Desde o começo da pandemia, a equipe do LabCidade tem procurado demonstrar o quanto a circulação para trabalhar, inclusive nos serviços essenciais, é e continua sendo um grande disseminador do contágio do vírus, principalmente em função da superlotação de ônibus e metrô e da aglomeração nos terminais.
Em um momento como estamos, no qual a pandemia explode e o debate sobre restrições e medidas volta à baila, é impressionante como não se fala de uma política pública voltada para melhorar as condições de segurança sanitária nos transportes. Se fala em reprimir aglomerações em festas, se fala em restringir usos noturnos da cidade, mas a questão essencial, que é o deslocamento durante o dia com motivo trabalho, incluindo os serviços essenciais, até agora não foi devidamente discutida, tampouco gerou políticas públicas de proteção. E isso é uma responsabilidade do metrô, do governo do estado e da prefeitura, que faz a gestão dos sistemas de ônibus. Há uma série de novas restrições no pacote de medidas de segurança sanitária que a prefeitura e o governo estadual estão lançando, como o chamado “toque de restrição”, mas e os transportes?
Longe de ser uma prioridade em meio à pandemia, a mudança do nome de uma estação, que aliás remete a um território, uma história — ou seja, algo que tem significado e simbologias na cidade — não é algo banal e que possa ocorrer fora do debate público. É bem lamentável que se dê um nome de empresa a um lugar, como se este nome não tivesse a menor relevância… Portanto, para além da prioridade, cabe também um questionamento da iniciativa de vender os nomes das estações, como se o único valor presente ali fosse seu valor comercial.
*Raquel Rolnik é professora da FAU-USP e coordenadora do LabCidade. Texto originalmente publicado no UOL.
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