By / 26 de outubro de 2022

Medida eleitoreira com FGTS pode deixar trabalhador na mão e tirar recurso de habitação

Fila para entrada em agência da Caixa, em Brasília. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Por Raquel Rolnik*

O uso de recursos públicos intensificado às vésperas do segundo turno das eleições pelo atual governo parece não ter fim. A medida de poder solicitar um crédito consignado na expectativa de poder pagá-lo com o Auxílio Brasil futuro foi uma das “bondades” pré-eleitorais do governo Bolsonaro. Após críticas, a procuradoria do Ministério Público e o Tribunal de Contas da União (TCU) recomendaram na última segunda-feira (24) a suspensão destes empréstimos consignados pela Caixa Econômica Federal. A decisão foi atendida pelo banco nas 24 horas seguintes.

A lei que permite o uso do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) futuro como caução em financiamentos habitacionais é outra decisão de caráter eleitoreira. A medida foi aprovada pelo Congresso Nacional em julho deste ano juntamente com a possibilidade de uso dos recursos do FGTS para oferta de microcrédito. Após a sanção presidencial, no mês de agosto, o Conselho Curador trabalhou na regulamentação, que foi aprovada na última semana, em 18 de outubro. Com menos repercussão nos meios de comunicação, a lei possibilita usar a expectativa de recepção de um FGTS futuro para poder amortizar empréstimos habitacionais.

Na hora de pedir um empréstimo para poder comprar uma casa, o cidadão que não tiver renda suficiente pode ceder para o banco o fundo de garantia que ainda vai receber no futuro, como caução para o empréstimo. Isso significa concretamente uma possibilidade de endividamento em cima de um recurso que pode não existir se, por exemplo, o trabalhador perder o atual emprego.

Se o beneficiário do empréstimo ficar desempregado, a ideia é ter um seguro de seis meses para encontrar uma nova colocação. Caso não consiga, provavelmente o que vai acontecer é ficar inadimplente, perder a casa, ficar com a dívida e ainda por cima contribuir com um rombo no próprio fundo de garantia por tempo de serviço.

O FGTS foi instituído no período da ditadura militar como grande fundo financiador da habitação, do saneamento básico e da infraestrutura urbana. A mesma lei que aprovou o uso do benefício futuro para os empréstimos habitacionais também decidiu que o fundo de garantia pode ser usado para empréstimos de microcrédito.

Diante deste cenário, fica evidente que o FGTS que era uma das poucas fontes de recursos para financiar a infraestrutura urbana, saneamento básico e habitação está sendo jogado numa bacia de oferta de crédito induzindo principalmente quem não tem a menor condição de pagar suas dívidas a se endividar provocando ao mesmo tempo a erosão dos fundos públicos e a espoliação dos mais pobres. Esta é a aposta do governo: estelionato eleitoral, dilapidação do que é de todos e despossessão.

* Professora da FAU-USP e coordenadora do LabCidade.


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