Fonte: TSE, 2024. Elaboração: LabCidade, 2024.

Por Ana Luiza Gonçalves, Ana Luíza Pacheco e Silva, Isadora Guerreiro, Lara Giacomini, Pedro Rezende Mendonça, Pedro Lima, Paula Freire Santoro e Raquel Rolnik

Com a divulgação dos resultados do 1º turno das eleições de 2024, mais uma vez circulam nas redes sociais e na imprensa mapas eleitorais categorizando as zonas eleitorais conforme o candidato com maior número de votos. Essas leituras simplificam a realidade da disputa eleitoral, especialmente no cenário eleitoral acirrado que caracterizou esse confronto para prefeitura no município de São Paulo. No Brasil, o vencedor de uma zona eleitoral não “leva tudo”, pois o que conta é cada voto individual. Além disso, as nuances da distribuição dos votos em cada região da cidade apontam fenômenos e tendências importantes para compreender o cenário político da cidade.

O primeiro turno desta eleição foi marcado por uma disputa acirrada entre três candidatos: Ricardo Nunes (MDB), Guilherme Boulos (PSOL) e Pablo Marçal (PRTB). Os percentuais máximos de votação dos candidatos não foram altos, e nenhum teve mais de 45% dos votos em nenhuma das zonas eleitorais.

Apesar dos bons desempenhos concentrados em algumas áreas, nenhum candidato obteve uma vitória ampla, levando a maioria dos votos, em nenhuma das zonas eleitorais. Os percentuais máximos de cada candidato foram obtidos na Bela Vista, com 43,7% dos votos válidos em Boulos, em Cidade Ademar, com 35,8% em Nunes, e em Anália Franco, com 34,6% em Marçal.

A falta de uma vitória folgada desmonta a ideia de que um ou outro candidato tenha “levado as periferias” ou “levado os bairros ricos” da cidade. Mas se os votos parecem mais distribuídos entre vários candidatos, no entanto, é possível notar algumas concentrações espaciais de votos em alguns deles.

Concentrações

Ricardo Nunes, que conta com a máquina pública e articulação com a Câmara Municipal, se consolida na parte sudoeste da Zona Sul (Moema, Campo Belo, Cambuci, Sacomã, Santo Amaro) e no Extremo Sul (Cidade Dutra, Grajaú, Parelheiros, Marsilac). São duas porções muito diferentes da cidade. Na porção sudoeste da Zona Sul, bairros de classe média e média alta que sempre tiveram tendência de voto no centro do espectro político.

Já o Extremo Sul tem outras dinâmicas, vinculadas aos processos conflituosos de urbanização e consolidação de áreas precárias em áreas de mananciais. Esta região sempre foi disputada entre organizações de base de esquerda (movimentos sociais, coletivos culturais e partidos de esquerda) e dinâmicas clientelistas variadas vinculadas aos processos de urbanização e controle de serviços públicos, como a rede de transporte de ônibus.

Uma maior concentração de Nunes nesta área indica um movimento de ganho maior de votos ligado ao clientelismo, forma política típica do centrão, com o qual o atual prefeito e o presidente da Câmara, Milton leite (União Brasil) ligado a ele, se filiam, com base política original justamente nesta região. Cabe frisar que o Programa Mananciais teve, nesta gestão, uso recorde de recursos, empregado na realização de obras, muitas delas inauguradas este ano, como pavimentação, construção de unidades habitacionais e pagamento de indenizações habitacionais, o que corrobora essa leitura.

Pablo Marçal teve a maior concentração de votos na Zona Leste, regiões do Tatuapé, Belém, Mooca, Anália Franco, e na Zona Norte, como Vila Maria, Vila Medeiros e Vila Guilherme. É uma região que já concentrava o voto bolsonarista, como mostramos nas nossas análises de eleições anteriores. Trata-se de uma região de uma nova classe média e média alta, que se consolidou nas últimas duas décadas como resultado da prosperidade econômico-social do país. Essa classe tem pressionado o espectro político conservador mais tradicional da cidade (concentrado no vetor Sudoeste), com o discurso e práticas empreendedoras e uma aversão ao sistema institucional consolidado desde a redemocratização do país.

Essas novas classes médias estão sendo disputadas por frações diferentes do espectro político, o que também expressa uma divisão da elite econômica paulistana.

Tabata Amaral teve maior concentração de votos em Pinheiros e Jardins, locais onde Ciro Gomes, em 2018, já tinha também sua concentração de votos. É a região de maior concentração de renda da cidade, de uma elite tradicional que está sendo agora disputada entre a direita tradicional (representada por Nunes) e a frente de esquerda (representada por Boulos) – e apresenta mais resistência à nova direita (representada por Marçal), que teve nestas zonas eleitorais seu pior desempenho.

Guilherme Boulos, representante da frente de esquerda, teve sua maior concentração de votos na Bela Vista, região central, mas também porcentagens relevantes na periferia da Zona Leste (São Mateus e Cidade Tiradentes) e na parte sudeste da Zona Sul (Capão Redondo e Campo Limpo). Tais porções periféricas trazem herança histórica de organização popular pelos movimentos e partidos de esquerda, e permanecem ainda vinculadas a esta tradição, ainda que estejam sendo disputados e, principalmente na Zona Leste, pressionados pela renovação empreendedora que tem assumido um caráter de direita, através de Marçal.

No caso da Bela Vista, é importante recordar que se trata de região não apenas bastante popular do centro da cidade, mas principalmente de grande presença histórica negra (Bixiga), associada à grande e crescente organização de coletivos culturais e vinculados ao patrimônio material e imaterial das populações ali residentes desde a origem da cidade. Desta maneira, ainda que a disputa seja acirrada, a narrativa de que a esquerda perdeu força nas periferias da cidade precisa ser ponderada.

Há divisões nas centralidades e nas periferias

O mapa acima sintetiza as diferenças nas votações por zona eleitoral. Quanto mais vermelha a zona, maior a diferença entre a divisão dos votos válidos locais e a média da cidade. Essa territorialização do voto mostra uma complexidade muito maior na cidade de São Paulo do que em eleições anteriores, em que o padrão concêntrico de centro-periferia fazia mais sentido. Há dinâmicas novas desde as últimas eleições que o alteram, principalmente disputas acirradas dentro dos territórios considerados de elite e os de baixa renda.

Em relação à elite, há uma fratura entre as classes que têm concentrado recursos econômicos e a tradicional elite intelectual. A Zona Leste, particularmente a mais próxima da área central, demonstra essa alteração na disputa interna na elite, cuja renovação tem tido tendência à extrema direita. Já o vetor sudoeste, tradicional território de concentração de renda, está dividido e disputado entre Boulos e Nunes, mas também com presença relevante de Tabata.

As periferias, cada vez mais, precisam de fato ser consideradas no seu plural. São territórios em profunda transformação, disputados e com características específicas. Não se tratam mais de territórios homogêneos e de pobreza. Depois de décadas de políticas públicas, aumento do salário mínimo e consolidação geracional, hoje, passam pelo momento de ascensão de práticas empreendedoras e grande investimento empresarial com Impacto Social, filantropia e inovação social. A territorialização do voto mostra que temos muitos perfis políticos distintos nas periferias da cidade.

 

(*) Ana Luiza Gonçalves é pesquisadora do LabCidade e doutoranda FAU-USP; Ana Luíza Pacheco e Silva é pesquisadora de iniciação científica do LabCidade e graduanda FAU-USP; Isadora Guerreiro é coordenadora do LabCidade e professora da FAU-USP; Lara Giacomini é pesquisadora de iniciação científica do LabCidade e graduanda FAU-USP; Pedro Rezende Mendonça é pesquisador do LabCidade e doutorando IME-USP; Pedro Lima é pesquisador do LabCidade e doutorando FAU-USP; Paula Freire Santoro é coordenadora do LabCidade e professora da FAU-USP e Raquel Rolnik é coordenadora do LabCidade e professora da FAU-USP