Por Equipe observaSP*
Não é de hoje que a Prefeitura de São Paulo procura realizar mudanças legislativas com potencial de afetar toda a cidade, pegando carona em projetos de lei que tratam de um território específico e que, portanto, são debatidos pela sociedade em círculos limitados. Em abril do ano passado, chamamos atenção para esse tipo de expediente no Projeto de Lei 723/2015, que pretende instituir a Operação Urbana Bairros do Tamanduateí e, de carona, traz a autorização para a alteração do regime jurídico da São Paulo Urbanismo (SP-Urbanismo) de empresa pública para sociedade anônima de economia mista.
Na época, a autorização para alteração do regime jurídico da SP-Urbanismo de empresa pública para sociedade anônima de economia mista veio acompanhada da proposta de criação da Empresa Bairros do Tamanduateí S/A (BTSA), uma subsidiária também de economia mista, cujo objetivo seria implementar a operação urbana que se pretendia instituir. Essa proposta, que ainda tramita na Câmara, gerou algumapolêmica junto à sociedade em geral e, especificamente, aos funcionários da Prefeitura, o que ensejou a realização de uma audiência pública no âmbito da Comissão de Política Urbana da Câmara Municipal para tratar do assunto. No entanto, muitas dúvidas e questionamentos a respeito dos seus reais objetivos e efeitos permaneceram sem esclarecimento, o que é possível identificar na leitura das transcrições dos áudios da audiência.
Agora, quase um ano depois, com a perspectiva de que o trâmite do PL 723/2015 seja mais demorado, a Prefeitura volta a propor essa alteração. Desta vez, pegando carona na proposta de Substitutivo ao Projeto de Lei 722/2015, que tem como objetivo aprovar o Plano Urbanístico Complementar do Setor Chucri Zaidan da Operação Urbana Água Espraiada. Em abril, a pauta foi apresentada durante a reunião do Conselho Gestor da Operação Urbana Água Espraiada. No âmbito da própria Operação, o Substitutivo apresenta também algumas propostas polêmicas, como a isenção do atendimento da Cota de Solidariedade para imóveis que aderirem à Operação Urbana por meio da compra de potencial construtivo adicional, o que desconstrói os já tímidos avanços do atual Plano Diretor.
Além da proposta de alteração da natureza jurídica da SP-Urbanismo, por meio de autorização para sua transformação em sociedade anônima de economia mista, o Substitutivo retoma também a possibilidade de criação de empresas subsidiárias, como seria, por exemplo, a polêmica BTSA.
De forma simplificada, a alteração da condição de empresa pública para sociedade de economia mista permitirá, dentre outras implicações, que a SP-Urbanismo e suas possíveis novas subsidiárias recebam investimentos privados, através, por exemplo, da venda de ações em bolsa de valores. Isso reforçaria a necessidade de que os projetos urbanos estruturados na empresa sejam rentáveis e, portanto, direcionados para promover maior valorização da terra e remuneração dos investidores, o que não necessariamente corresponderá ao interesse público.
Este tipo de transformação institucional se insere em um processo amplo de crescente financeirização da política urbanaou seja, o privilégio dos interesses de rentabilidade do capital financeiro nos processos decisórios sobre os interesses públicos, geralmente não rentáveis. Esse processo pode ter como resultado, dentre outras consequências, a aprovação de normas e projetos urbanos orientados pelo e para o mercado imobiliário, a apropriação de terras e ativos do Estado por ele e a privatização de espaços públicos, em detrimento de seu uso e destinação para o interesse social.
Uma política urbana que tem como objetivo a rentabilidade da terra é, ao mesmo tempo, instrumento e resultado do protagonismo de agentes privados na definição dos rumos da cidade, o que não é nenhuma novidade. Novidade, neste caso, são as propostas de reestruturação da gestão urbana, com vistas a fortalecer interesses cada vez mais atrelados às lógicas de rentabilidade financeirizadas.
A proposta de alteração da natureza jurídica da SP-Urbanismo tem, portanto, implicações para a cidade como um todo e, por isso, não pode ter seu debate limitado ao Conselho Gestor da Operação Urbana Consorciada Água Espraiada, cuja competência é restrita ao território da Operação. Tal proposta deveria necessariamente ser debatida no âmbito do Conselho Municipal de Política Urbana (CMPU), que, diga-se de passagem, não realizou nenhuma reuniãodesde o início dessa gestão, apesar das mudanças significativas que estão sendo implementadas pela gestão, e, ainda, em audiências públicas para toda a sociedade, onde as mudanças na forma de gestão pública decorrentes desta alteração fossem apresentadas e discutidas.
A ausência de transparência, debate e participação pública na apresentação de propostas dessa natureza, mais do que um descuido, parece caracterizar uma estratégia para garantir sua implementação sem que as contradições e resistências apareçam. A sociedade precisa estar atenta!
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O observaSP é um observatório ligado ao projeto de pesquisa “Financiamento do desenvolvimento urbano, planejamento, inclusão socioterritorial e justiça social nas cidades brasileiras”, desenvolvido em São Paulo pelo Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade (LabCidade), da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, com apoio da Fundação Ford.
Mas a sociedade não gosta da “privatização do público”? Então…
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[…] TextoCompleto: Estado ou empresa? Mudanças na gestão urbana sem debate em São Paulo – observaSP […]
[…] [6] Recentemente, São Paulo na gestão Dória passou por processo semelhante como relato por nossos parceiros do Observa SP: https://observasp.wordpress.com/2017/04/25/estado-ou-empresa-mudancas-na-gestao-urbana-sem-debate-em… […]
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