Por Paula Santoro*
No próximo domingo (28), os moradores de uma das Zonas Especiais de Interesse Social (veja mapa) da Operação Urbana Água Branca vão eleger seus representantes para o Conselho Gestor da ZEIS. Este passo é tido como fundamental para que os recursos da Operação Urbana possam ser utilizados nas intervenções de reforma e requalificação dos conjuntos habitacionais Água Branca, Prover Água Branca, Funaps Água Branca e Vila Dignidade, de acordo com o que determina o art. 8º, IV, da Lei nº 15.893/13. Para mais informações sobre as eleições, clique aqui.
No mapa acima destaca-se com o ponto amarelo a localização da ZEIS 1 C008, segundo perímetro definido na Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo de 2004 e mantido pelo Plano Diretor Estratégico de 2014.
Desde 2002, o Plano Diretor Estratégico de São Paulo já previa a possibilidade de se eleger representantes da população moradora para compor um Conselho Gestor em cada Zona Especial de Interesse Social. O objetivo deste Conselho, que também está previsto no Plano Diretor recém-aprovado (art.48), é envolver a comunidade na elaboração, aprovação e implementação dos Planos de Urbanização de ZEIS.
Partindo de um diagnóstico inicial, estes planos devem apresentar as diretrizes para a transformação da área ocupada em uma área urbanizada e com qualidade de vida (para saber mais sobre o conteúdo de um Plano de Urbanização, veja o Decreto nº 44.667/04 e o art. 51 do novo PDE). A criação do Conselho Gestor da ZEIS é, portanto, fundamental para a elaboração e implementação destes planos de forma participativa.
Cabe à Secretaria de Habitação do Município (Sehab) a coordenação do Conselho Gestor, cuja composição deverá ser paritária – ou seja, com o mesmo número de representantes do poder público e da sociedade civil – e ampliada, com o objetivo de envolver, além dos representantes do poder público, as concessionárias de serviços, e além dos moradores, os proprietários de imóveis localizados na ZEIS. Além disso, o número de integrantes do Conselho deve ser definido pela Sehab em função do número de moradores ou famílias a serem atendidas pelo plano, garantindo o mínimo de 4 integrantes. No caso desta ZEIS, a proposta da Sehab é que sejam 5 membros do governo e 5 representantes dos moradores.
No caso da ZEIS da Água Branca, os representantes da comunidade já foram indicados e deverão ser eleitos na manhã deste domingo. Espera-se que, uma vez definido o Conselho, a Sehab inicie o processo de discussão do Plano de Urbanização desta ZEIS, que irá tratar da reforma e requalificação dos conjuntos habitacionais da área.
O Plano de Urbanização da ZEIS da Água Branca deverá considerar levantamentos já feitos sobre as reformas necessárias aos conjuntos habitacionais, bem como os processos de ocupação hoje já consolidados na área, temas que ainda serão objeto de reflexão aqui no blog.
Depois de formado, a primeira tarefa do Conselho é aprovar seu regimento interno. Deve-se ter cuidado para que o diagnóstico da ZEIS e a elaboração do Plano de Urbanização, temas urgentes para a comunidade, sejam iniciados paralelamente à aprovação do regimento interno do Conselho. Assim, enquanto é feita a discussão sobre como serão os processos de votação, de capacitação etc, já podem começar a ser elaborados os diagnósticos que subsidiarão as primeiras discussões acerca conteúdo do Plano de Urbanização. Dessa forma não se perde tempo e os resultados urbanísticos esperados para a ZEIS podem ser alcançados mais rapidamente.
Vale lembrar que o mandato de conselheiro tem duração de dois anos, não é remunerado, e é possível haver no máximo uma recondução. Representar a comunidade exige envolvimento do representante e compromisso com o conjunto dos moradores, disponibilizando questões e informações que devem ser discutidas por todos, em um real processo coletivo de participação e aprendizado.
Iniciativa popular para elaboração de Planos de Urbanização
A responsabilidade pela elaboração técnica do Plano de Urbanização é da prefeitura. Mas o que acontece se ela não fizer isso? É importante lembrar que os moradores, entidades representativas e membros do Conselho Gestor da ZEIS podem tomar a iniciativa de elaboração do Plano e, então, submetê-lo à aprovação da Prefeitura. Aliás, de acordo com o novo Plano Diretor (art.50), a Prefeitura pode disponibilizar assistência técnica, jurídica e social para elaboração do Plano.
Além de fortalecer os vínculos sociais entre os moradores, a iniciativa popular é sem dúvida uma forma propositiva de pressionar o poder público para encontrar soluções para a situação de famílias que habitam áreas precárias. Um processo de elaboração de um Plano de Urbanização alternativo e popular pode ser, inclusive, um importante instrumento de luta dos ameaçados por processos de remoção.
Um exemplo é Plano Popular Alternativo para a urbanização da Favela da Paz, em Itaquera. Elaborado com apoio da assessoria técnica Peabiru, do Instituto Pólis e de assistentes sociais ligados ao coletivo Comunidades Unidas de Itaquera, o Plano Popular da Vila da Paz sem dúvida fortaleceu aquela comunidade, ameaçada de remoção por estar situada no mesmo local onde se prevê a construção de um parque linear, a menos de um quilômetro do Estádio “Itaquerão”.
Este caso mostra que a inciativa popular na elaboração de um Plano de Urbanização é também importante no enfrentamento de processos de gentrificação – conhecidos também por “expulsão pelo mercado” ou “expulsão pela valorização” da área – que ameaçam expulsar moradores e comerciantes, que não conseguem permanecer no local por conta da alta valorização do preço da terra, que encarece o preço dos imóveis, dos aluguéis e mesmo o custo de vida.
Esta possibilidade de desenvolvimento de Planos de Urbanização alternativos resgata inclusive o papel dos arquitetos como assessores técnicos em prol do interesse público, da garantia do direito à cidade e à moradia, pauta mais do que relevante para mudar a formação e atuação destes profissionais.
A discussão sobre o Conselho Gestor de ZEIS no novo Plano Diretor
No processo de discussão do novo Plano Diretor, o Movimento pelo Direito à Cidade defendeu a proposta de possibilitar a iniciativa popular para a criação do Conselho Gestor de ZEIS. Num caso como o desta ZEIS da Água Branca, a comunidade poderia tomar a iniciativa de criar o conselho, desde que tivesse adesão de ao menos 20% dos moradores da área. Uma vez eleito, o Conselho ainda teria que ser efetivado, com aval do poder público, mediante publicação no Diário Oficial do município.
Mas essa proposta foi vetada pelo Prefeito, com a justificativa de que não seria juridicamente admissível que o Conselho de ZEIS fosse formado sem a participação do poder público, sob pena de ser ineficaz e de comprometer seu próprio funcionamento.
Avanços e desafios
Mas no que diz respeito ao Conselho Gestor de ZEIS, é preciso reconhecer que o novo Plano Diretor Estratégico avançou em relação ao Plano anterior ao exigir a criação do conselho não apenas para as ZEIS de áreas ocupadas (ZEIS 1), mas também para as chamadas “ZEIS de vazios” (ZEIS 3) desde que estejam sendo ocupadas. Ou seja, se um prédio abandonado ou subutilizado em área de ZEIS está sendo ocupado por um movimento de moradia – caso de muitos edifícios no centro de São Paulo –, então é necessária a criação do Conselho de ZEIS.
A proposta do Movimento pelo Direito à Cidade no processo de elaboração do Plano Diretor era ainda mais ambiciosa, ao defender que todas as ZEIS tivessem Conselhos Gestores e que, no caso das “ZEIS de vazios” não ocupadas, a composição do Conselho envolvesse moradores afetados da região e também representantes de movimentos de moradia da cidade como um todo.
A preocupação era garantir que as propostas de intervenção nas ZEIS 3 fossem discutidas com um público mais amplo de interessados, para além do proprietário e da Sehab. Além disso, havia a preocupação de articular as discussões a respeito das ZEIS 1 e 3. Sabemos que parte desta articulação pode e deve ocorrer no âmbito do Conselho Municipal de Habitação, mas este não daria conta de discutir os projetos para cada ZEIS 3.
Tal proposta não foi incorporada, mas acreditamos que esta discussão permanece como desafio.
*Paula Santoro é arquiteta e urbanista, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e coordenadora do projeto ao qual o observaSP é vinculado. Contribuiu com o Movimento pelo Direito à Cidade no Plano Diretor durante seu processo de discussão.
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