Por Luiza Hespanhol, Paula Freire Santoro, Laisa Stroher e Gabriela Santo Azzolini (*)

Verticalização de Santana vista do Mirante de Santana, região do Eixo da linha Azul do metrô (Foto: Luiza Hespanhol, 2024)

No último 31 de janeiro, a equipe de pesquisadores do LabCidade FAUUSP realizou uma visita de campo na Zona Nordeste de São Paulo, com o objetivo de compreender as especificidades da produção imobiliária dispersa, característica dessa região e como ela se manifesta dentro e fora dos Eixos de mobilidade, chamados na legislação urbanística de Eixos de Estruturação da Transformação Urbana ou Zonas de Estruturação Urbana (ZEU). São zonas marcadas no entorno das linhas de trem, ônibus e corredor de ônibus, onde se pode adensar construtivamente e populacionalmente, para que mais pessoas morem perto de onde há oferta de transporte público.

A Zona Norte em si não é um novo recorte geográfico de estudo no laboratório, como vimos em várias pesquisas sobre os territórios populares e sobre PPP da Zona Norte, aqui e ali. Agora estamos olhando de forma panorâmica para a produção ao redor da Linha Azul, em continuidade das pesquisas que avaliam o papel da regulação dos Eixos nas transformações urbanas recentes, como discutimos para a Zona Leste, na pesquisa de Paula Victória de Souza, e em bairros da Zona Sul. Para compreendê-la mapeamos os empreendimentos que estão nos bairros das três Subprefeituras que conformam a região administrativa da Zona Norte 1.

1ª Etapa: Imersão nas Cartografias

Em uma primeira leitura cartográfica, ao sobrepor os dados dos lançamentos imobiliários da EMBRAESP aos diferentes tipos de zoneamento, a partir de 2014 (quando a regulação do Eixos foi aprovada no plano diretor) até 2019, não parece haver uma concentração de empreendimentos em algum zoneamento específico, eles estão espalhados por todos os lugares, com algum destaque para as Zonas de Centralidade, que possuem uma verticalização média de limite de gabarito de altura da edificação de 48 metros, isto é, cerca de 16 a 17 pavimentos (Mapa 1).

Há ainda uma predominância clara de empreendimentos mais caros, acima de R$350 mil em todo o território. E praticamente não há empreendimento do segmento econômico (abaixo de R$350 mil) em Eixo. Como já abordamos aqui, a presença desse segmento em Eixo é escassa, mas ao redor da linha azul parece ser ainda menor.

Também chamou atenção a verticalização menor em relação a outras áreas da cidade. Há muitos empreendimentos espalhados pelos miolos de bairro de até 4 pavimentos (Mapa 2) que, como discutiremos, são resultado de uma produção por agentes locais, e que também parecem ser destinados para moradores locais. Nos Eixos (ZEU e ZEUP) predominam até 8 pavimentos, e as zonas de centralidade parecem abrigar os mais verticalizados, acima de 17 pavimentos.

Lançamentos residenciais por faixa de preço, atualizados para 2019 – clique aqui para conferir o mapa em tela cheia. (Mapa: Luiza Hespanhol, 2024)

 

Lançamentos residenciais por número de pavimentos, atualizados para 2019 – clique aqui para conferir o mapa em tela cheia. (Mapa: Luiza Hespanhol, 2024)

2ª Etapa: imersão no campo

Fomos então a campo para vermos como era esta produção, auxiliadas tanto pela cartografia dos lançamentos imobiliários EMBRAESP (entre 2014 e 2019), quanto pela utilização dos dados do Sistema de Controle de Obras e Edificações disponíveis (atualizados até 2023) nos dados abertos de monitoramento do PDE 2014 da Prefeitura de São Paulo, para identificar construções mais recentes.

Entorno da estação Jardim São Paulo

Alvarás de licenciamento pela Prefeitura-SP por subcategoria de uso, atualizados até 2023 – clique aqui para conferir o mapa em tela cheia. (Mapa: Luiza Hespanhol, 2024)

O bairro Jardim São Paulo passou por uma série de transformações e apresenta hoje, de um modo geral, lotes com frente de 10 metros e áreas de cerca de 300m², ocupados por casas térreas, sobrados ou prédios pequenos com cerca de 4 pavimentos. Vimos que alguns lotes com frente maior que 10 metros foram desmembrados em 2 ou 3 lotes dando origem a sobrados geminados. Com ruas largas e boa oferta de equipamentos públicos (esportivos, educacionais, culturais, entre outros), o bairro se configura como uma área nobre da Zona Nordeste, de classe média. A estação do metrô Jardim São Paulo (Linha Azul, direção Norte-Sul) foi inaugurada em 1998 quando o parcelamento já existia e já estava ocupado.

No entorno da Estação, notamos alguns poucos edifícios altos, em construção, e outros mais antigos (ver fotos a seguir). São poucos os que parecem utilizar todo o potencial construtivo, diferindo de outras estações de metrô de São Paulo cujo processo de destruição de quadras inteiras e substituição por condomínios compostos por vários edifícios ocorreu. Nos perguntamos: por que o mercado imobiliário não migrou com a mesma intensidade para as estações da Linha Azul do metrô? Talvez porque elas sejam mais antigas? Talvez porque ainda haja terrenos para transformar em áreas de maior interesse do mercado?

Foto 1, 2 e 3. Edifícios no entorno da estação de metrô Jardim São Paulo. (Foto: a primeira retirada do Google Earth, as demais tiradas pelas autoras, 2024)

Já o miolo de bairro do Jardim São Paulo mostra uma transformação imobiliária a partir da união de poucos lotes de casas para a produção de edifícios de até 10 pavimentos, indicando remembramentos de lotes recentes.

Essa verticalização não é totalmente nova na região, no trajeto reparamos na presença de ‘predinhos’, vários com fachada de pastilhas coloridas, com cerca de três ou quatro pavimentos, provavelmente da década de 1960/1970 (ver fotos 4 e 5). A identificação dessas tipologias sinaliza para uma dinâmica imobiliária que nunca deixou de existir na Zona Norte, que demanda pesquisas específicas para compreendermos se variou de intensidade ao longo das décadas.

Foto 4 e 5. Exemplos de empreendimentos com uma verticalização baixa, possivelmente das décadas de 1960 ou 1970. Notamos que novos empreendimentos surgem ao lado, fruto da dinâmica atual, como na foto 5. (Foto: as autoras, 2024)

A novidade é que ela está de volta, parecendo ser fruto de uma produção imobiliária de agentes locais.

Hoje a produção de edifícios possui alturas variadas, visitamos condomínios com 2 pavimentos de altura, e outros que chegam a 8 pavimentos, possivelmente atingindo o gabarito máximo de altura dos miolos que, para a Zona Mista (até a recente revisão do plano diretor e do zoneamento era de até 28 metros). Essa verticalização é possibilitada porque, no bairro, os lotes são maiores (medem cerca de 300m²), bastando juntar poucos deles para empreender um número maior de unidades. Ou, como no exemplo abaixo, simplesmente substituir casas com lotes generosos, de mais de 800m² por um edifício de 8 pavimentos (ver fotos 6 e 7).

Foto 6 e 7. Exemplo de alteração de produtos no mesmo lote, no bairro Jardim São Paulo, onde houve a saída de uma casa para originar um edifício, sem exigir o remembramento de lotes (Foto: a primeira retirada do Google Earth, a segunda tirada pelas autoras, 2024)

As qualidades do bairro – como infraestrutura urbana completa e boa de um bairro planejado; lotes generosos para casas que podem ser transformados individualmente ou em duplas ou trios, proximidade de metrô, e ocupação com população de classe média e média alta que tem potencial de consumo de novos empreendimentos – tem atraído o interesse do mercado imobiliário.

No processo de revisão do plano diretor e da lei de zoneamento, o mercado pressionou para transformar o bairro horizontal em Eixo – zonamento que permite construir mais – e pela revogação da lei que estabeleceu um perímetro de proteção com limite de altura de novas edificações no entorno do Mirante de Santana (Lei Municipal 7.662/1971), justificada para o funcionamento do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), o que liberaria a verticalização. Foi a luta dos moradores, em conjunto com outros movimentos, que não levou adiante a anulação e ainda, pediu o tombamento do Mirante e seu entorno.

Entorno da estação Parada Inglesa

Alvarás de licenciamento pela Prefeitura-SP por subcategoria de uso, atualizados até 2023 – clique aqui para conferir o mapa em tela cheia.  (Mapa: Luiza Hespanhol, 2024)

Já o parcelamento no entorno da Estação Parada Inglesa percebe-se lotes também grandes, mas um pouco menores que os do Jardim São Paulo. Nesta parte, a verticalização é mais expressiva, inclusive com empreendimentos de maior porte, aparentemente atraindo empresas maiores, como a Torres Engenharia, Construção e Incorporação ou Steel Construções e Empreendimentos (ver fotos que seguem). Pudemos visitar um dos empreendimentos neste Eixo, próximo à estação, com cerca de 20 andares e 177 unidades.

Os preços totais das unidades habitacionais variam entre R$244 mil a R$277 mil, com uma metragem de 30,24 m², que correspondem a um preço de R$ 8.068,78/m² . Em conversa com o corretor, ele alertou que o empreendimento recebe incentivo do Programa Minha Casa Minha Vida, possibilitando o financiamento para famílias com renda mensal de até R$8.000,00. Também disse que a maioria dos compradores era de pequenos investidores locais, em busca de uma renda extra; e que parte do público de procura era de Guarulhos, que deseja residir mais próximo ao metrô da Linha Azul, o que reduz a necessidade de realizar movimentos pendulares casa-trabalho muito extensos.

Foto 8, 9 e 10. Verticalização no entorno da estação Parada Inglesa do metrô (Foto: a primeira retirada do Google Earth, as demais tiradas pelas autoras, 2024)

Neste entorno também encontramos uma produção dispersa, próxima da já encontrada anteriormente na Zona Leste, residencial, com três ou quatro pavimentos, geralmente sem ou com poucas vagas de garagem. Dois dos empreendimentos visitados foram licenciados como Habitação de Interesse Social (HIS) ou Habitação de Mercado Popular (HMP) (fonte: De olho na obra da prefeitura). Nesta região, esse tipo de empreendimento aparece lançado tanto no Eixo quanto no miolo, predominando no último. O que chama atenção é a utilização dos lotes-padrão para construir essa nova tipologia (ver fotos a seguir).

Foto 11, 12 e 13. Exemplos de empreendimentos horizontais, os dois primeiros sendo em eixo e o último em Zona Mista (Foto: as autoras, 2024)

A equipe realizou uma visita a um desses empreendimentos pouco verticalizados e, em conversa com o corretor, ele comentou que esse novo tipo de construção tem sido realizada por empreendedores locais, como imobiliárias locais que fazem um match entre imóveis disponíveis e possíveis empreendimentos e empreendedores para transformá-los. As unidades tinham cerca de 27 e 45m² e, segundo ele, estavam sendo vendidas ou alugadas para famílias menores (pessoas que moram sozinhas ou casais) da região. Além disso, afirmou que o empreendimento era aprovado como HMP, possibilitando descontos no valor da Outorga Onerosa do Direito de Construir a ser paga e uma faixa de renda mais alta, que poderia arcar com o valor da unidade (que variava de R$190 a R$380 mil).

Foto 14. Exemplo de HMP construída em miolo, informações retiradas em entrevista com o corretor (Foto: as autoras, 2024)

Assim, as cartografias e a pesquisa de campo assinalam para a coexistência do interesse do mercado imobiliário que verticaliza outros Eixos da cidade, com a produção promovida por empreendedores locais – como FAO Building, há cerca de 24 anos atuando concentrada na Zona Norte, e a EVO Planejamento e Construção.

No que estamos chamando de “nuvem” de empreendimentos da Zona Nordeste percebemos uma produção diversa, com tipologias menos homogêneas que em outros Eixos; dispersa, dentro e fora de Eixo; e local, com atuação de produtores de empreendimentos de maior porte (maior número de unidades e verticais), quanto menores (menor número de unidades e pouco verticalizado), aparentemente produzidos por construtores que atuam localmente.

 

(*) Luiza Hespanhol é graduanda na FAUUSP e pesquisadora de iniciação científica no LabCidade; Paula Freire Santoro é professora doutora da FAUUSP, pesquisadora do programa sabático do IEAUSP e coordenadora do LabCidade; Laisa Stroher é professora da FAU UFRJ, pós-doutoranda na FAUUSP, pesquisadora do LabCidade, do Perifau da UFRJ e do LEPUR da UFABC e Gabriela Santo Azzolini é graduanda na FAUUSP e pesquisadora de iniciação científica no LabCidade.