Por Toni Zagato *
A pandemia do novo coronavírus colocou a Saúde Pública no centro de preocupações sociais e governamentais. A nova emergência sanitária se soma a outras históricas, nunca resolvidas. Expõe os limites e contradições do sistema político e socioeconômico hegemônico, cujos efeitos são insustentáveis para a vida, tornando inquestionável a Ecologia.
Soluções isoladas ou privadas, defendidas por governos neoliberais, como Boris Johnson na Inglaterra e Jair Bolsonaro no Brasil, se mostram insuficientes para combater o novo vírus. O Estado volta a ser conclamado a investir recursos públicos. Por isso, devemos, mais do que nunca, acompanhar sua alocação pelos governos – ou, como se diz em inglês, “follow the money” (siga o dinheiro). Como a pandemia permite a flexibilização dos gastos, exigindo a fiscalização da apropriação dos recursos, deve-se perguntar: para onde e para quem estão sendo vertidos milhões de reais nesse momento?
Na Zona Oeste de São Paulo, um imóvel público entrelaça essas pontuações: o antigo Hospital Central Sorocabana (HS). Trata-se de uma estrutura robusta de 7 pavimentos, construída na década de 1950 em terreno do Governo do Estado, numa quadra inteira da Lapa. Sua administração foi conferida aos ferroviários e atendia aos trabalhadores urbanos com vínculo formal.
A criação do Sistema Único de Saúde (SUS), com a Constituição Federal de 1988, foi um marco para o Sorocabana, cujo atendimento se ampliou e se tornou referência para milhares de pessoas, devido a sua localização acessível. Em 2009, segundo consta, possuía 217 leitos e fazia cerca de 500 partos/mês.
No entanto, em 2010, após denúncias de desvio de recursos do SUS pelos gestores privados, o Hospital Sorocabana fechou. Além dos óbvios prejuízos à Saúde Pública, a entidade deixou dívidas trabalhistas, prejudicando a cadeia econômica complementar aos serviços no entorno.
O Estado retomou o prédio na Justiça e o cedeu à Prefeitura em 2013, que implantou, nos pavimentos térreo e mezanino, unidades da Assistência Médica Ambulatorial (AMA), do Centro de Reabilitação (CER) e da Rede Hora Certa. Os outros 5 andares e alguns equipamentos se deterioram, como se viu em vistoria há pouco mais de um ano, feita por vereadores, membros do Comitê de Defesa do Hospital Sorocabana (CDHS), do Conselho Participativo Municipal da Lapa e de Conselhos Gestores de Saúde da região. Recentemente, a Prefeitura locou esses andares para gravações audiovisuais.
Em meio à pandemia, enquanto Pacaembu ou Anhembi são adaptados, paira um silêncio contagioso das gestões Bruno Covas e João Doria a respeito do Sorocabana. É certo que o hospital pode receber obras emergenciais e seu uso definido pela área técnica do Comitê do Covid-19 – cujo investimento será um legado permanente e salvará mais vidas.
E é aqui que o Hospital Sorocabana se relaciona às questões iniciais deste texto, como síntese do desmonte do Estado brasileiro. Este caso mais aproxima do que diferencia os governos municipal, estadual e federal, pois:
- Os três defendem a Emenda Constitucional 95, que congelou investimentos na Saúde e Educação, dentre outras áreas, desfinanciando o SUS;
- Instalações temporárias são construídas a despeito do aproveitamento de estruturas hospitalares existentes, como o HS, o Universitário da USP e o Panamericano, em Alto de Pinheiros, que juntos somariam cerca de 500 leitos;
- A gestão de espaços e recursos públicos é mais uma vez entregue a entidades particulares (as chamadas Organizações Sociais, OS), apesar do histórico de desvios, apurador até por CPI já na Assembleia Legislativa de São Paulo**; e
- A extinção e/ou desmonte dos conselhos nas três esferas, o que dificulta qualquer controle social, democrático e deliberativo dos processos e orçamentos***.
Diante desse quadro, é importante que cada vez mais pessoas se somem à luta do Comitê Sorocabana pela reabertura imediata do Hospital, com atendimento 100% SUS, seu imóvel e gestão integrados à rede municipal sob administração direta, com efetiva fiscalização e controle social.
Porque, para defender o SUS, é preciso “seguir o dinheiro”.
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