Por Raquel Rolnik
O anúncio da candidatura de Belém para sediar a 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, a COP30, em novembro de 2025, vem sendo acompanhado por grandes expectativas. Sediar a COP na Amazônia traz para o centro do debate o futuro da floresta, o destino dos povos indígenas, as tensões em torno da mineração e grandes projetos, entre outros temas que ganham maior relevância neste momento em que a região vive uma das maiores secas de sua história. Entretanto, a efervescência do debate ambiental não vem nem de longe acompanhada de um debate propriamente urbano.
O governo federal ainda aguarda a confirmação oficial para ratificar a cidade-sede, o que deve ocorrer durante a COP28, no fim do ano, em Dubai. O esperado é que o evento sele a escolha de Belém, que contou também com o apoio praticamente unânime dos demais países sul-americanos, uma exigência da ONU. Ainda na semana passada, técnicos da organização desembarcaram na capital paraense para a elaboração de um relatório com as medidas para adequar a cidade ao evento.
De fato, a realização da COP30 será uma prova de fogo para a capital, que terá de ampliar os investimentos para melhorar a infraestrutura e os serviços. Belém acolhe e vê com muitos bons olhos a possibilidade de receber a COP e a estratégia de receber investimentos fundamentais para o município, sobretudo neste momento em que ele sofre com uma carência de recursos orçamentários, em função, principalmente, das perdas de receitas decorrentes das mudanças na distribuição do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e demais impactos gerados pelo deslocamento do centro dinâmico de atividades econômicas de Belém para outras regiões do próprio estado. Além, é claro, do aumento da pobreza na última década, o que tem levado a enormes dificuldades para os poderes locais de atender as necessidades básicas da cidade.
A COP30 será um megaevento que traz promessas de transformação urbanística positivas. Mas será? Já vimos este filme na preparação das cidades para a Copa do Mundo, realizada no Brasil em 2014, e nas Olimpíadas do Rio de Janeiro, em 2016. Naquela ocasião, a distância entre as expectativas e o que efetivamente aconteceu foi muito grande e, inclusive, contribuiu para incendiar as ruas em 2013…
Apenas na capital fluminense, um dossiê feito pelo Comitê Popular do Rio de Janeiro, em 2012, trouxe à tona graves violações promovidas em nome desses megaeventos. De remoções em massa, à transferência de terras públicas para o setor privado, condições precárias de trabalho nas obras, à falta de informação e participação dos mais afetados nos projetos de mobilidade e urbanização.
Ao que tudo indica, o fluxo de capitais também deverá ser intenso em Belém, a começar pelo aporte de R$ 5 bilhões previstos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) em recursos reembolsáveis e não reembolsáveis para viabilizar o evento. Outra fonte, de acordo com reportagem do jornal Valor Econômico, será o novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que deve repassar R$ 75,2 bilhões para o Pará.
No entanto, o que sabemos e já aprendemos com as lições da Copa do Mundo é que os investimentos que são fundamentais para essa cidade, como saneamento e recuperação da estrutura básica da cidade, parecem que não estão no radar. Mais do que isso, é urgente pensar, a partir de Belém, qual é a cidade pós COP30 que queremos? Qual é a transição urbanística que pretendemos? Em tempos de redução da dependência de combustíveis fósseis, o legado da COP será mais pontes, viadutos e asfalto? Por que não introduzir a discussão sobre a mudança climática questionando o próprio modelo de ocupação da cidade? E qual o sentido de discutir mudança climática no urbano, em uma cidade fluvial, como Belém, e não aproveitar a oportunidade de questionar as estratégias de grandes projetos de infraestrutura e macrodrenagem 100% submetidos a uma lógica carbonocêntrica?
Belém – e por que não o Brasil – têm à frente uma oportunidade de aprendizado com as formas tradicionais de se relacionar com a natureza, com os rios e o clima. E a COP30 é essa chance imperdível do país superar a reprodução de um modelo que nada tem a ver com a sustentabilidade e que aponta para outra direção: o futuro.
(*) Raquel Rolnik é professora na FAUUSP e coordenadora do LabCidade
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