Raquel Rolnik*
Recentemente, durante a escavação arqueológica prevista por lei para grandes obras de infraestrutura feita pela concessionária responsável pela construção da futura Linha 6-Laranja do Metrô, foram encontrados vestígios de extrema importância para recuperar a memória da ocupação negra da região do bairro do Bexiga. São algumas peças de cerâmica e vidro, louças, moedas e madeiras entalhadas que historiadores apontam serem remanescentes do quilombo Saracura, uma das maiorias aglomerações urbanas de resistência do povo negro e que ocupou a região por volta do século XIX.
Apesar da narrativa oficial associar o Bixiga à imigração italiana, existiu e existe uma forte presença da população negra na região. Ela está na história da ocupação deste lugar, mas também na sua permanência e transformação como território negro, lugar de vida, de produção cultural, articulação política e religiosidade. Em texto publicado no UOL, Adriana Terra, Claudia Muniz, Lucas Inocencio Almeida, Luís Michel Françoso e Rossano Lopes Bastos recuperam parte dos registros e estudos sobre essa memória invisibilizada, história que enlaça o quilombo com o movimento negro, a escola de samba e o culto dos orixás. Por isso Saracura Vai Vai, este fio que reconecta os elos desta memória.
Os autores fazem parte da Mobilização Saracura Vai-Vai, movimento criado em resposta a esses achados recentes e composta por moradores da área, sambistas, pesquisadores e militantes do movimento negro, que reclama o reconhecimento do Bixiga como um território negro e cobra dos órgãos competentes um compromisso com uma agenda de política urbana e cultural que dê o tratamento adequado à importância dessa bagagem histórica.
Isso passa por quatro eixos de atuação, apresentados no abaixo-assinado do movimento: 1. investigação maior dos achados, no sentido de possibilitar a recuperação da história desse quilombo; 2. renomear a estação que será construída no local de “14-Bis” para “Estação Saracura Vai-Vai” , reconhecendo tanto o quilombo quanto a escola de samba Vai-Vai, herança simbólica dele; 3. estabelecimento de um memorial sobre o quilombo no local, gerido por instituições especializadas na memória negra e na luta antirracista e 4. um projeto de educação patrimonial e comunitário.
Porém, a questão não se restringe ao passado: o Bixiga ainda é um território negro, e um dos mais importantes inseridos nas áreas centrais da cidade.
O que leva a uma outra discussão puxada por esse movimento: serão tomadas as medidas necessárias garantir a permanência da população negra na região do Bexiga mesmo com a radical transformação socioeconômica que virá com a instalação do metrô (que é, evidentemente, de suma importância para a mobilidade de quem vive e trabalha no bairro)? Ou se repetirá a história já conhecida de experiências pregressas de obras similares nas quais a chegada do transporte foi um agente de branqueamento e expulsão da população de baixa renda?
* Professora da FAU-USP e coordenadora do LabCidade.
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