Por Luanda Vannuchi*
Já está disponível o vídeo da aula pública ministrada em setembro, na FAU USP, pelo professor Manuel Aalbers, do Departamento de Geografia da Universidade de Leuven, na Bélgica, a convite do Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade – LabCidade. Na aula, Aalbers discutiu o “complexo imobiliário-financeiro” (Real Estate/Financial Complex), tema que também dá nome ao projeto de pesquisa que coordena, centrando atenção nas relações de interdependência entre o setor imobiliário, as finanças e o Estado.
A reflexão de Aalbers parte da constatação de que a produção imobiliária e as finanças estiveram nas raízes da crise econômica global que teve início em 2007, tendo como cúmplices Estados nacionais e as suas muitas instituições.
Embora o setor imobiliário e as finanças tenham sempre estado fortemente ligados – considerando a dependência desse setor de instituições financeiras –, essa relação se fortalece a partir dos anos 1970, com o crescimento da sua importância e com uma integração muito maior entre ambos, tanto nos países desenvolvidos quanto nas economias de crescimento rápido, como é o caso da América Latina.
A partir daí, a participação das instituições financeiras no setor imobiliário vai além do empréstimo de dinheiro; elas agora têm suas próprias subsidiárias imobiliárias e investem no setor imobiliário de forma mais ativa. Além disso, investidores que tradicionalmente aplicavam em uma ou outra, agora investem nas duas, e especialmente na sua interação, como é o caso dos fundos imobiliários, dos seguros hipotecários, dos real estate investment trusts (REITs) etc.
Estes instrumentos financeiros promoveram um corte na relação do bem imobiliário com o lugar, transformando sua natureza intrinsecamente local em algo cambiável (“líquido”) no mercado financeiro global. Companhias do setor imobiliário adentram mercados financeiros, como forma de mitigar riscos, mas também para penetrar em mercados em localizações geográficas onde não têm presença. É a financeirização da produção das cidades, capilarizando-se territorialmente.
No Brasil, esta articulação vem se revelando recentemente nas operações urbanas consorciadas, em que o Estado mobiliza esforços para promover o desenvolvimento imobiliário em certas áreas da cidade, por meio de instrumentos financeirizados da política urbana. Um exemplo é o Fundo de Investimentos Imobiliários da Caixa, que comprou todos os CEPACs (certificados de potencial adicional de construção) postos em leilão pela Prefeitura do Rio de Janeiro na Operação Urbana Consorciada do Porto Maravilha.
Em São Paulo, a lei da Operação Urbana Consorciada Água Branca sugere a criação de um fundo imobiliário para financiar e gerir as transformações em uma determinada parcela do território da operação. Além disso, o projeto de lei da Operação Urbana Consorciada Bairros do Tamanduateí vai além, propondo que uma empresa – pública com status de S/A (sociedade anônima) – receba os recursos e todas as terras públicas da área e faça a gestão da operação, com participação dos investidores da Operação, mas sem controle social.
Manuel Aalbers observa que, na escala local/urbana, o complexo imobiliário-financeiro é muitas vezes traduzido em megaprojetos urbanos, processos de gentrificação, projetos-âncora com arquitetura de grandes nomes internacionais (“starchitecture”), competição entre cidades e coalizões para o crescimento. Na escala nacional, o complexo imobiliário-financeiro é organizado por um grupo poderoso de lobby e think tanks, com interesses compartilhados e um forte foco no crescimento econômico.
O que seu grupo de pesquisa busca investigar é em que medida o crescimento da importância do setor imobiliário e das finanças nas últimas décadas ocorreu à custa de outros setores da economia, quais são seus impactos na produção das cidades e os comos e os porquês dessa relação entre o imobiliário e o financeiro em diferentes contextos nacionais.
Para o professor, as relações entre bens imobiliários (residenciais e não residenciais), finanças e Estados ainda permanecem pouco investigadas e pouco teorizadas. Trabalhos em várias áreas da economia política têm realizado um grande esforço de investigação sobre a relação entre finanças e Estados, mas têm muitas vezes ignorado um setor crucial: o imobiliário. Existe também uma tradição de pesquisa com foco na interação entre mercado imobiliário e Estado, geralmente concentrando-se no envolvimento dos municípios em grandes projetos urbanos e empreendimentos imobiliários. Mas as finanças são muitas vezes ignoradas nesta linha. Além disso, essa tradição tem suas raízes nos estudos urbanos e foca no micro, enquanto na economia política são muito focadas no macro.
Em outras palavras, precisamos investigar melhor não apenas a relação entre as finanças e o setor imobiliário, mas também suas diferentes escalas: local/urbana, nacional e global.
A abordagem de Manuel Aalbers sobre o tema pode ser conferida no vídeo da aula.
*Luanda Vannuchi é geógrafa, mestre em estudos urbanos pela Vrije Universiteit Brussel e faz parte da equipe do observaSP.
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