Por Isadora de Andrade Guerreiro*
O Auxílio Aluguel na cidade de São Paulo é um recurso mensal (R$400) pago a famílias removidas pelo município devido a obras, urbanização de favelas, ocupação de áreas de risco, atendimento emergencial em caso de desastres e, até junho deste ano, alta vulnerabilidade, com a finalidade de auxiliar nas despesas do aluguel. Sua versão atual é uma modificação do Programa Bolsa Aluguel, que teve início em 2004 na gestão Marta Suplicy como forma de atendimento provisório às famílias removidas do Edifício São Vito, que retornariam quando a sua reforma terminasse (o que não aconteceu, sendo o prédio demolido pela gestão de Gilberto Kassab). Desde então, o benefício pecuniário de apoio ao aluguel para famílias removidas no município se tornou rotina e estratégia para o município (independente das gestões), crescendo exponencialmente (ver Gráfico 1), além de passar a ser também adotado em outros 16 municípios da RMSP e pelo Estado de São Paulo em 2010. No gráfico, chama a atenção o período de 2009 a 2016, anos de execução do Programa Federal Minha Casa Minha Vida (MCMV), por ter sido um período de uma política habitacional apoiada em remoções (quando o crescimento de atendimentos continua, porém em um menor ritmo):
“A política municipal paulistana naquela gestão (2009-2012) optou prioritariamente pela produção de unidades habitacionais em favelas selecionadas sem apresentar, contudo, uma solução adequada para a difícil equação entre quantidade e custo […]. Além disso, essas intervenções acabavam removendo muitas famílias do local de intervenção, representando alto custo social e ambiental, uma vez que o número de unidades produzidas nesses empreendimentos era muito inferior à demanda removida do mesmo lugar. Consequentemente, o aumento do número de famílias removidas e não-atendidas levou a uma explosão de uma solução de atendimento provisório, o Auxílio Aluguel” (Balanço de Governo SMH 2013-2016, p.16).
A gestão de Fernando Haddad (2013-2016) procurou deter o aumento do auxílio, mas ainda estava baseada na expectativa de atendimento habitacional definitiva pelo MCMV, que aumentou durante o período de governo, porém não foi capaz de dar resposta ao tamanho e às especificidades do déficit habitacional municipal – que aumentou no período no mesmo patamar de entregas de unidades habitacionais pelo programa, puxado, no entanto, pelo fator de ônus excessivo de aluguel. O resultado foi que, em 2016, atingiu o pico de atendimentos do programa, de pouco mais de 30 mil benefícios concedidos. No entanto, o Secretário João Sette Whitaker Ferreira (2016) implementou a primeira tentativa de dar mais controle ao instrumento, passando o pagamento dos benefícios para o cartão bancário – antes, o pagamento era feito em cheques e havia pouquíssimo controle dos beneficiários ou possibilidade de monitoramento da política.
No ano seguinte, 2017, já na gestão João Dória, o secretário Fernando Chucre continuou a política de diminuição de concessões, com duas preocupações: o fim do MCMV não dava perspectivas de atendimento definitivo e a hipótese de que o descontrole de concessões de auxílio era um dos fatores de aumento do número de ocupações na cidade. Amparado na possibilidade de monitoramento da política dada pelos saques bancários, ele fez a primeira grande auditoria no programa, o que permitiu que aquele ano tenha sido o primeiro em que houve queda do total de benefícios concedidos. Entre cortes por “irregularidades” e entrega de unidades definitivas, o número passou de 30 mil benefícios concedidos para cerca de 28 mil, patamar que, então, a gestão quer se manter.
No entanto, é necessário olhar para a composição dos beneficiários atuais do Auxílio Aluguel. Em comparação com o Gráfico 1 – que mostra que o número total de benefícios permaneceça numa tendência de queda, tendo hoje pouco mais de 27 mil atendimentos –, o Gráfico 2 já mostra que começa a aparecer, desde final do ano passado, um novo movimento de crescimento (que não ocorria desde 2013), que não aparece no Gráfico 1 pois é encoberto pela saída de beneficiários mais antigos do programa.
Já os Gráficos 3 e 4 demonstram a inércia cada vez maior representada pelos benefícios continuados de mais de 5 anos no atendimento: se em julho de 2018 eles representavam 63% do total, atualmente eles são 72%, ou seja, um peso cerca de 14% maior. E, sem política habitacional que atenda essa demanda represada, é um fator que pesará cada vez mais no programa, impedindo (se a diretriz é manter 28 mil benefícios) a entrada de novos beneficiários, o que frustra os interesses da atual gestão, como colocado em post anterior.
Assim, um novo fenômeno começou a aparecer: o aumento de remoções justificadas pelo fator de risco – as remoções com esta causa têm atendimento provisório de um ano, renovável por mais um, de Auxílio Aluguel que, após esse prazo, não é continuado, como ocorre com os caso de remoções por obras. Olhando desse ponto de vista, a remoção de famílias do Córrego do Bispo causa estranhamento: por que remover pelo fator de risco famílias que estavam nessa situação há anos, justamente no mesmo mês em que a área é delimitada para o edital da PPP municipal? Por que essas famílias não merecem receber o Auxílio continuado reservado às remoções por obras?
O Plano Municipal de Habitação traz um estudo para a modificação das formas de uso do aluguel na política habitacional municipal propondo outras modalidades que sejam mais adequadas para lidar com as diferentes necessidades de seu uso, que poderia ser muito mais controlado. A Sehab poderia, ao invés de tomar medidas como o corte abrupto e desrespeitoso de benefícios colocar energias para a aprovação do plano, que está parado na Câmara desde o final de 2016. Uma das alternativas já discutidas seria a requalificação de imóveis hoje notificados pelo município para Locação Social subsidiada, que poderia usar como crédito as dívidas de IPTU.
Após os comentários em texto anterior e a retrospectiva histórica e conjuntural do instrumento aqui realizada, gostaria de colocar algumas questões sobre o Auxílio Aluguel. Primeiro é necessário entender que ele não é um instrumento de promoção habitacional ou de acesso ao Direito à Moradia. Ao contrário: ele parece, da forma como se encontra e é usado atualmente, muito mais ser um dispositivo de remoção, necessário para o tipo de política habitacional que tem sido hegemônico nos últimos 10 anos em São Paulo, que prioriza a construção de novas unidades em detrimento a outras formas de provisão.
Isso o diferencia do que seriam suas formas correlatas tomadas em outros países, como os vouchers de moradia nos EUA, por exemplo, que estão dentro de um contexto de controle público dos preços dos aluguéis e são pagos para os proprietários dos imóveis alugados, não para o beneficiário. Assim, há controle da qualidade, da localização e do preço dos locais alugados, algo mais difícil no nosso contexto, não por incompetência ou falta de capacidade gerencial, mas porque não é essa a função do instrumento em território nacional. Por aqui, o mínimo de controle instalado (o saque com cartão bancário, que não identifica nem fiscaliza o local de moradia atual onde é gasto o aluguel) serviu apenas para punir (sem provas) os beneficiários, ao invés de colaborar para melhorar sua condição de moradia.
Pois, no nosso caso, a política habitacional nunca serviu para suprir as necessidades da população, mas para criar mercado. Isso explica a dinâmica de aumento ou queda do Auxílio acompanhar a dinâmica da política habitacional definitiva: aumentou com o desenvolvimento do MCMV, estancou com ele, volta a crescer com a implantação das PPPS. A necessidade que dá função ao instrumento não parece ser o déficit habitacional, mas a expansão das possibilidades de mercado – que têm sido lastreadas em remoções.
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