No último dia 6 de maio a comunidade do Jacarezinho foi invadida por forças policiais civis, que executaram 27 pessoas dentro da “Operação Exceptis”, a mais letal da história do Rio de Janeiro, justificada pela “guerra às drogas”. No local, de controle do Comando Vermelho (CV), crianças estariam sendo recrutadas, o que justificaria uma exceção à “Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF)” das Favelas, que tramita no STF (Superior Tribunal Federal) e tem medida cautelar que suspende ações policiais no RJ durante a pandemia.
A pesquisadora do Lab, professora e pós-doutoranda na FAU-USP, Isadora Guerreiro, escreveu em sua coluna no Passa Palavra um artigo que aborda a operação a partir da hipótese de que as intervenções policiais em áreas controladas pelo CV são na verdade disputas por território pelas milícias. Em “Da cortina de fumaça da guerra às drogas ao urbanismo miliciano”, Isadora também mostra que, em 2019, mais de 40% das operações policiais na cidade do Rio de Janeiro foram em áreas controladas pelo CV, embora o controle de extensão territorial desta facção fosse de 11,6% da cidade (18,7% da população total), enquanto as milícias já tinham 58,6% de área (33,9% da população), mas apenas 6,5% das operações policiais.
Sobre o mesmo tema, mas de outra perspectiva e sobre outro local, Raquel Rolnik, professora da FAU USP e coordenadora do LabCidade, e Thiago Calil, doutorando em Ciências pela Faculdade de Saúde Pública da USP, falam, em texto na Carta Capital, de como, entre demarcações territoriais e aparatos cultural-midiáticos, construiu-se um entrelaçamento entre drogas, raça e território, demilitando – em áreas populares em regiões centrais, favelas e comunidades e/ou nas quebradas e periferias – as fronteiras que separam o legal do ilegal do ponto de vista urbanístico, mas também do ponto de vista moral.
A condição “marginal” desses locais também funciona como justificativa para processos de reestruturação territorial, como por exemplo o que ocorre na região da Cracolândia, situada no bairro Campos Elíseos, no centro de São Paulo. A territorialização do comércio e do consumo de crack no local opera no sentido de conferir sentido a projetos urbanos de “revitalização”, ou seja, de não reconhecimento da existência de vidas ali. Estes projetos se apoiam em ciclos permanentes de remoções, demolições e intervenções policiais cotidianas que violam diversos direitos humanos. Assim, os espaços que sofrem as consequências das políticas de drogas tornam-se palco de grandes transformações, usando os projetos urbanísticos de ‘requalificação’, ‘renovação’ ou ‘pacificação’ urbana para embasar a validação pública e justificar a violência do Estado. Como Raquel e Thiago escrevem no texto, “o fluxo do capital negocia com o fluxo da ‘cracolândia’, encarcerando pessoas e desconstituindo territórios.”
Comments are closed for this post.