Desde que o IBGE divulgou a Síntese dos Indicadores Sociais 2018, temos lido e ouvido vários comentários sobre o aumento da pobreza no país. Entretanto pouco foi comentado em relação às condições de moradia. Os números são eloquentes: 27 milhões de pessoas (13% da população) viviam em 2017 em moradias com algum tipo de inadequação, conforme os critérios da pesquisa: domicílios sem banheiro, construídos com materiais improvisados, muito adensados (com mais de três moradores por dormitório), ou o chamado “ônus excessivo com aluguel (quando mais de 30% da renda familiar se destina a aluguel ou prestação da casa).
Além disto, os dados oriundos da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) examinou separadamente as condições de saneamento, apurando que 37,6% da população tem acesso inadequado a saneamento, seja água encanada, coleta de lixo ou coleta de esgoto (este de longe o pior indicador dos três).
De acordo com a pesquisa, estes indicadores variam entre as regiões do país, e, mais ainda, em relação a renda, raça e composição familiar dos domicílios. As moradias chefiadas por mulheres negras sem companheiro e com filhos de até 14 anos são de longe o grupo mais vulnerável e o que apresenta as piores condições de moradia em todo o país.
Desde a divulgação dos dados, muito se falou também a respeito da crise econômica, do aumento do desemprego, da interrupção da trajetória de aumento da renda dos mais pobres que o país conheceu na década passada. Entretanto, ter renda mais alta não implica necessariamente em ter melhores condições de moradia. Isto fica claro ao examinarmos, por exemplo, o tema do ônus excessivo do aluguel: este é proporcionalmente maior no Sudeste (em relação a outras regiões do país) e é o mais alto no Distrito Federal (9,1% dos domicílios) e em São Paulo (7,1% dos domicílios), justamente as duas Unidades da Federação com maior renda média do país.
Além disto, o relatório do IBGE apresenta, para cada um dos Estados, quais indicadores contribuem mais para uma condição de privação (ou não acesso) a melhores condições de vida. Novamente São Paulo e o Distrito Federal, os locais de maior renda média, possuem a maior desigualdade de renda no país, pois enquanto no Brasil a diferença de renda entre os 40% mais pobres e os 10% mais ricos é de R$ 6.253; na cidade de São Paulo é de R$ 12.739!). O que faz com que, juntamente com o Rio de Janeiro, estes sejam os locais aonde as inadequações da moradia pesam mais no cômputo geral.
Neste tema, assim como no tema do saneamento, a conclusão é muito clara: apenas o crescimento econômico não é capaz de garantir melhores condições de vida para todos. A equalização das oportunidades de acesso exige a implementação de políticas públicas que justamente protejam os mais pobres e vulneráveis, reduzindo a dependência do mercado.
Este debate não é menor em um contexto onde a ladainha da restrição do gasto público é anunciada como a fórmula mágica do crescimento e as políticas de proteção social vistas como gasto que não gera emprego nem crescimento. Políticas de moradia adequada de universalização do saneamento e do transporte publico de qualidade são absolutamente essenciais para garantir melhores condições de vida, sem as quais vamos ter um país aonde todos terão acesso à internet (segundo a pesquisa atualmente 75% dos domicílios), mas vivendo com esgoto a céu aberto e não podendo comer para poder pagar o aluguel ou prestação da casa onde vive.
Texto escrito pela arquiteta e urbanista Raquel Rolnik, publicado originalmente no site Uol.
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