O LabCidade assina, junto a cerca de 100 entidades, uma nota pública contrária ao Projeto de Lei 217/2020, em debate na Câmara Municipal de Vereadores de São Paulo.
Entendemos que a proposta do PL em caráter emergencial de alterar o Plano Diretor e Zoneamento vigentes em São Paulo pode ser mais um “boi” nesta uma “boiada” passando sob a forma de medidas e planos para enfrentar a pandemia. A “ativação econômica” do projeto servirá para aumentar desigualdades socioespaciais enquanto desonera empreendimentos imobiliários, dando vários descontos em contrapartidas exigidas, em um verdadeiro “saldão Covid”!
O PL é quase idêntico a dois outros que foram tratados em post anterior do LabCidade, o texto Saldão Covid-19 para o mercado imobiliário!, que já alertava para o fato que “não se tratavam de medidas para facilitar o acesso da população à moradia”, e sim de aberturas para a possibilidade de “construção de apartamentos maiores, e mais garagens, que muito provavelmente serão destinados para famílias com rendas mais altas em áreas bem servidas de transporte público”, indo na direção oposta dos princípios e diretrizes do Plano Diretor Estratégico de 2014 e da Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo de 2016 (apelidada de Zoneamento). Isso sem falar na total ausência de estudos urbanísticos das alterações e de debate público democrático que é exigido para leis que alteram regras de uso e ocupação do solo!
Vejam a seguir o conteúdo da nota pública e as instituições que assinam:
Mais uma vez, alterações no Plano Diretor e no Zoneamento são propostas de forma irregular pela Câmara dos Vereadores
Projeto de lei em discussão pode aumentar as desigualdades no longo prazo
Está em tramitação na Câmara dos Vereadores de São Paulo o Projeto de Lei (PL 217/2020) que propõe alterar estratégias e parâmetros do Plano Diretor de 2014 e da Lei de Zoneamento de 2016, sob o mote da criação de um Plano Emergencial de Ativação Econômica. Essa proposta altera normas urbanísticas, sem evidências de que haverá impacto positivo na economia, utilizando-se da pandemia para tramitar sem amplo debate com a sociedade. Além disso, esse PL pode acirrar ainda mais as desigualdades socioespaciais do município. Se a COVID-19 colocou na pauta do dia esse grande problema da nossa sociedade, os incentivos urbanísticos propostos no PL podem piorar a desigualdade no longo prazo, como apresentamos a seguir:
- Altera o objetivo do Plano Diretor na Zona Eixos de Estruturação da Transformação Urbana, permitindo unidades habitacionais maiores, reduzindo assim o número de unidades próximas do transporte público e invertendo a lógica da cidade compacta que propõe aumentar a densidade e as oportunidades de moradia perto do transporte público.
- Permite um número maior de vagas de garagem isentas de pagamento pelo direito de construir na Zonas Eixos de Estruturação da Transformação Urbana, onde há ampla oferta de transporte público, contrariando o objetivo de estimular o uso de transporte coletivo e a mobilidade ativa, alterando o Plano Diretor.
- Prevê que as Zonas de Estruturação Urbana Previstas sejam tratadas como eixos de transporte existentes, adensando áreas onde a mobilidade coletiva ainda não é viável, invertendo a lógica do desenvolvimento orientado ao transporte – essência do Plano Diretor vigente.
- Institui desconto de 50% no valor final da outorga onerosa do direito de construir para projetos em áreas bem localizadas no município e institui descontos no ITBI para compra de imóveis novos, contrariando os objetivos e finalidades da Lei Municipal nº 17.335/2020, que prevê medidas de ordem financeira para mitigar frustração de receitas do Caixa Único do Tesouro Municipal. A redução da arrecadação municipal reduz a capacidade de investimento da prefeitura em obras que serão necessárias para um plano de recuperação da cidade, em especial dos territórios vulneráveis mais impactados pela pandemia.
O PL propõe esses e outros incentivos urbanísticos de caráter temporário (pelo prazo de 18 meses) mas de efeitos permanentes quando autoriza edificar com índices urbanísticos hoje proibidos, e dar descontos em impostos e contrapartidas — sem futura restituição aos cofres públicos — que incidem sobre a produção imobiliária. A justificativa do PL aponta que as medidas propostas “terão impacto direto” na geração e manutenção dos empregos. Entretanto, não há evidências de que a alteração da legislação urbana possa contribuir diretamente para a geração de empregos.
O setor da construção civil reúne o mesmo contingente de trabalhadores que outros serviços como o setor dos trabalhadores domésticos, ou de transporte, armazenagem e correios ou dos serviços de alimentação e alojamento na metrópole de São Paulo, de acordo com a PNAD de 2018. Tanto o setor da educação, saúde e serviços sociais, como o setor do comércio, reúnem individualmente mais do que o dobro de trabalhadores da construção civil. Dados do IBGE indicam que alguns setores foram mais impactados pela pandemia do que outros, destacando-se o comércio, com 5 milhões de pessoas a menos. Nesse período, a construção civil foi autorizada a manter atividades sem restrições, segundo o regulamento estadual da quarentena.
Diante da maior necessidade e relevância de outros setores frente ao setor da construção civil, o PL não apresenta argumentos consistentes para justificar os benefícios concedidos a esse setor em detrimento dos outros. Quem deve ser priorizado no atual contexto de crise econômica e social? As famílias desamparadas que habitam áreas de alta vulnerabilidade social ou alguns poucos empresários da construção civil?
Além do aumento da desigualdade no longo prazo e da falta de evidências para o aumento de empregos no curto, o Projeto de Lei, não atende ao interesse público e a coletividade e desrespeita o princípio da gestão democrática. O Projeto de Lei 217/2020 contraria os princípios constitucionais que estabelecem procedimentos para a elaboração e revisão do marco regulatório urbano, que devem ser frutos de um amplo debate com a sociedade, com intensa participação social. No entanto, a tentativa de alterar a legislação urbana antes do prazo estipulado em lei, ausentes os estudos técnicos, a ampla publicidade e a democracia participativa não é novidade, o que reforça o argumento de que os incentivos propostos não atendem ao interesse público diante da crise sanitária e econômica que nos encontramos.
Diante dessas e de outras evidências, as entidades que assinam esta nota repudiam as alterações no Plano Diretor e na Lei de Zoneamento e convocam a câmara dos vereadores a suprimir o artigo 12º do Projeto de Lei 217/2020 ao mesmo tempo que nós colocamos a disposição para dialogar sobre demais medidas.
São Paulo, 8 de julho de 2020
Associação Amigos da Praça João Afonso de Souza Castellano
Associação Artemis
Associação Beneficente e Comunitária Santa Luzia
Associação Cidade Carvalho Vila Nova Adjacências
Associação Civil Sociedade Alternativa
Associação Cultural da Comunidade do Morro do Querosene
Associação de Apoio ao Adolescente e à Família Mundo Novo
Associação de Moradores da Vila Mariana
Associação de Moradores do Jardim Vila Nova e Adjacências
Associação de Mulheres Unidas Venceremos
Associação de Remanescentes de Quilombo Saruê
Associação dos Moradores do Rolinopolis – ASAJAR
Associação Luta por Terra e Moradia Parceiros do Futuro do Estado de São Paulo
Associação Escola da Cidade
Associação Moradores do Jardim Guedala
Associação Movimento Garça Vermelha – Mogave
Associação Reivindicatica e Assistencial de Vila Medeiros – ASSORAVIM
Associação São Benedito Legal
Associação Vila Mariana
Associação Zona Franca
Associações Projetos Integrados de Desenvolvimento Sustentável
BrCidades
Central de Movimentos Populares
Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos
Ciclocidade – Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo
Coletiva As Mina Na Frente
Coletivo Metropolitano de Mobilidade Urbana – COMMU
Coletivo Ocupe&Abrace
Coletivo Salve Saracura
Com-Art , Coop. de Trab. dos Prof. das Artes
Comissão Ana de Carvalho da Vila Ipojuca
Conseg Morumbi
Conselheiro Participativo Municipal da Lapa
Cooperativa Habitacional Central do Brasil – COOHABRAS
Entidade ulcm.movimento de cortico e moradia .
Fórum de Trabalho Social em Habitação
Forum Verde Permanente de Parques, Praças e Áreas Verdes
Grupo de Pesquisa Legado – IEE USP
Grupo de Pesquisa LIMIARES – Geografia/USP
Instituto Casa da Cidade
Instituto Corrida Amiga
Instituto de Arquitetos do Brasil – Departamento de São Paulo – IAB-SP
Instituto Panamericano do Ambiente e Sustentabilidade
Instituto Pólis
Instituto Social Novo Olhar
LabCidade FAUUSP
LabHab FAUUSP
Lapa Sem Medo (integrante da Frente Povo Sem Medo)
LaPlan – Laboratório de Planejamento Territorial da Universidade Federal do ABC
LePur UFABC
Movimento Amigo da Vila Anglo e Jardim Vera Cruz – MAVA
Movimento Boa Praça
Movimento de Defesa dos Favelados – Região Episcopal Belém
Movimento de Defesa dos Favelados – Região Episcopal Belém – MDF
Movimento Habitacional e Ação Social
Movimento Metrô Brasilândia Já
Movimento Parque Augusta
Movimento Parque Chácara do Jockey
Movimento Parque Linear Caxingui
Movimento Popular de Vila Leopoldina
Movimento Sem Terra Leste 1
Movimento Sem Teto do Centro – MSTC
Museu do BIXIGA
NAPPLAC FAUUSP
ONG SampaPé!
Rede Butantã de Entidades e Movimentos Sociais
Rede Novos Parques
RENAP
Sindicato dos Arquitetos – SP
Sindimasp
SINSEP
Sociedade Amigos da Cidade Jardim – SACJ
Sociedade dos Amigos do Planalto Paulista
Sociedade Santos Martires
SP Invisível
teat(r)o oficina uzyna uzona
União dos Movimentos de Moradia de São Paulo – UMM
Unificação das Lutas de Cortiços e Moradia – ULCM
URBEM – Instituto de Urbanismo e Estudos para a Metrópole
Cidade Ativa
Comunidade City Pirajussara
Setorial Ecossocialista do PSOL
Cidades Afetivas
Movimento Parque Alto da Boa Vista
Movimento Parque Campo de Marte
Rede Lepoldina Solidária
Associação de Moradores do Ceasa
Associação Santa Cecília
Cidadeapé – Associação pela Mobilidade a Pé em São Paulo
Rede Nossa São Paulo
Conselho Participativo do Butantã
Coalizão pelo Clima SP
Associação dos Movimentos de Moradia da Região Sudeste.
Associação de Moradia Jardim Casa Branca ll e Adjacências
Aliados Parque Barra Funda
Movimento Parque da Cruz Vermelha
Organismo Parque Jardim Esmeralda
Movimento Parque Vila Ema
Instituto Panamericano do Ambiente e Sustentabilidade
Rádio Saracura
IBDU – Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico
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