O Observatório de Remoções tem construído nesta nova fase do Projeto, um novo mapa das remoções, utilizando como fonte a plataforma Habisp (Sistema de Habitação Social na Cidade de São Paulo). Através da análise deste mapeamento, percebeu-se que a região em torno da atual Av. Roberto Marinho até o Jabaquara concentra hoje parte significativa das remoções e reassentamentos em curso na cidade fruto das Operação Urbana Água Espraiada. No entanto, ao observarmos de perto, identificamos que as remoções ocorridas nos últimos anos ultrapassam os dados do Habisp. As obras do primeiro trecho da Linha 17 – Ouro do Metrô, promovidas pelo Governo do Estado de São Paulo, conhecida como “Monotrilho”, removeram comunidades inteiras em 2012.
A equipe do Observatório procurou entrar em contato com este último grupo (duas das comunidades removidas em 2012): as comunidades do Comando e do Buraco Quente, que existem no local desde o final da década de 60. Aproximadamente 500 famílias foram removidas naquela data, a CDHU ofertou duas opções: indenização da posse em dinheiro ou a relocação das famílias por um período transitório, com o pagamento do auxílio-moradia no valor de R$ 400,00 (atualmente houve um reajuste para R$ 475,00) até a construção das 432 Unidades Habitacionais, que seriam produzidas pela CDHU na própria área.
Muitas das famílias removidas em 2012 que optaram pela indenização repetem o histórico das que viveram essa situação na região da Av. Água Espraiada na década de 90: o baixo valor faz com que moradores procurem terrenos mais baratos nos extremos da cidade, reproduzindo o processo histórico de segregação sócio espacial da cidade.
Ilustrativo o caso da família de um morador que chega ao Comando no final da década de 60, sendo removida na década de 90, ocupa um terreno à margem da Represa Guarapiranga e, passado pouco tempo, é mais uma vez removida sem direito à indenização. Sete anos depois a avó deste morador compra um barraco novamente no Comando e boa parte de sua família, assim como ele, retorna à favela, mas com a remoção de 2012, este morador busca moradia na Cidade Tiradentes, onde familiares de sua esposa vivem.
Após as remoções que aconteceram em 2012, os moradores que não receberam a indenização e aguardam por um atendimento da CDHU têm se reunido por meio de assembleias mensais nas ruas que cercam as duas comunidades. As assembleias têm como objetivo organizar os (ex) moradores para pressionarem o poder público sobre informações a respeito das construções dos projetos das unidades habitacionais da CDHU e procurando organizar um coletivo que represente as duas comunidades nas conversas com o poder público.
A preocupação das lideranças é buscar por meio das assembleias a descentralização das ações, a divisão de tarefas e o conhecimento e consciência sobre o que de fato aconteceu com os moradores e como as dinâmicas da cidade interferem na vida das famílias. Por mais de 30 anos, muitos moradores se fixaram na comunidade, mas foram excluídos do processo recente de renovação do bairro. Muitos deles vivem hoje nos extremos da cidade e ainda sonham em voltar.
Tivemos a oportunidade de acompanhar a segunda assembleia de moradores onde foram apresentados os encaminhamentos da reunião com a CDHU, a conversa com o Ministério Público e o andamento do processo de usucapião coletivo proposto pela comunidade do Comando e em tramitação no judiciário. Esta ação, impetrada por um advogado particular em nome da comunidade reivindica que os moradores possam receber uma indenização pelo tempo que estiveram no local, assim como pelos gastos referentes às construções.
Anaede e Sônia, moradoras do Buraco Quente, resistem no local (com mais duas famílias), em meio aos restos de remoção de suas casas. A reintegração de posse das moradoras foi, na última segunda-feira, revogada um dia antes da data prevista para a remoção. Não sabem até quando permanecerão no local. Seus filhos e netos estão matriculados nas escolas e creches da região, o neto de Sônia joga futebol em um projeto social nas imediações. Por conta da escola das crianças acionaram o Conselho Tutelar da região para que enviasse um ofício ao juiz pedindo para que a reintegração fosse prorrogada para que ao menos as crianças não perdessem o ano letivo. Anaede trabalha a uma quadra de sua atual moradia. O valor do auxílio aluguel, caso recebam, não será suficiente para darem continuidade à vida que construíram naquele local e assim como tantos outros, terão como saída as franjas da cidade, colocando em risco trabalho, educação e lazer. Os moradores aguardam um retorno do Juiz para saberem quando, de fato, terão que sair, já que a remoção é inevitável.
Washinton saiu do Buraco Quente na remoção de 2012 e atualmente vive em Parelheiros, no extremo sul da cidade, pois somente lá conseguiu alugar uma casa pelo valor que recebe do auxílio aluguel, mas ainda sonha em voltar e aguarda o atendimento habitacional da CDHU, ainda sem saber quando será.
Em frente ao terreno onde as famílias resistem, edifícios foram erguidos por conta da Operação Urbana Água Espraiada; os empreendimentos vão atender demandas do município, gerando uma confusão nos ex-moradores que pensaram que finalmente teriam a oportunidade de retornar ao terreno que construíram suas vidas, já que como vimos, as remoções e os atendimentos são promovidos na região tanto pelo Município como pelo Estado.
Para agentes do poder público, o atendimento recebido pelos moradores do Comando e Buraco Quente, em comparação a outras remoções forçadas, foi positivo – vale lembrar que por anos a alternativa aos moradores removidos da cidade foi o popularmente conhecido “cheque-despejo”, indenizações que não ultrapassavam 8 mil reais. Para o Observatório de Remoções um bom atendimento é aquele que respeite todos os direitos dos removidos, dentre eles que estes devem ser reassentados em nova moradia superior ou equivalente à moradia original, mais próxima possível do local original, garantindo a manutenção dos laços afetivos, sociais e territoriais, além do acesso às informações em todo o processo da remoção.
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