Aluízio Marino
Martim Furtado
Pedro Mendonça
Raquel Rolnik

Para além de leituras simplificadas da geografia dos resultados eleitorais, e especialmente em cidades muito segregadas, como é o caso de nossas metrópoles, a análise territorial dos resultados do primeiro turno das eleições é essencial para identificarmos de que forma os diferentes territórios se expressaram através do voto.

Em texto anterior apresentamos a complexidade deste voto em escala nacional, buscando superar a leitura que prevaleceu nos meios de comunicação de uma oposição Nordeste versus o resto do país (confira aqui a análise dos pesquisadores Raquel Rolnik e Aluízio Marino). Aqui, a partir do georreferenciamento dos votos por locais de votação em São Paulo, apresentamos os mapas dos locais onde os três candidatos mais votados na região metropolitana no primeiro turno (Jair Bolsonaro, Fernando Haddad e Ciro Gomes) tiveram seu melhor desempenho. Para Bolsonaro, consideramos os locais em que o candidato obteve mais de 50% dos votos; para Fernando Haddad e Ciro Gomes, mais de 20% dos votos totais. Também foram mapeados os locais onde a porcentagem de votos brancos e nulos foi maior, variando entre 10 e 36,4%.

Mapa: Pedro Mendonça, LabCidade

A concentração dos percentuais maiores de votos em Bolsonaro se deu, como algumas análises já vêm apontando, nas regiões que concentram maiores percentuais de famílias de renda mais alta. Assim, era de esperar que as regiões que tradicionalmente abrigam este grupo social, no eixo denominado pelos urbanistas de “quadrante sudoeste”, composto por bairros como Jardim Paulista e Morumbi, assim como na região dos condomínios de Alphaville, o candidato teve votação expressiva.

Entretanto, o mapa revela o surgimento de novos elementos nesta geografia eleitoral com uma altíssima concentração de votos no candidato do PSL distantes em áreas distintas do tradicional “quadrante sudoeste”. Destacamos, na Zona Leste de São Paulo, Tatuapé, Carrão, Vila Formosa, Água Rasa, Mooca, Vila Prudente e Vila Matilde; na Zona Oeste, a Vila Leopoldina; na Zona Norte, Santana e Tremembé; e, em municípios da região metropolitana, destacam-se as áreas centrais e de maior renda de Guarulhos, Santo André, São Bernardo, São Caetano e Osasco.

O que essas regiões têm em comum? Foi nestes bairros em que, ao longo das últimas duas décadas, se instalou uma nova classe média alta da metrópole, em um processo de reconfiguração territorial que já vinha acontecendo desde o final dos anos 1990, mas que se intensificou especialmente com o boom imobiliário de 2006. Nessas regiões, uma explosão de condomínios verticais com disponibilidade de serviços e lazer internos aos complexos de torres, transformou a paisagem econômica, política e cultural de bairros que já foram tradicionalmente bairros operários.

Mapa: Pedro Mendonça, LabCidade

Fernando Haddad, por sua vez, teve o melhor desempenho nos extremos da metrópole, ou nos termos do Prof. Eduardo Marques, na “hiperperiferia”. Esses territórios são marcados por processos de autoconstrução em diferentes graus de consolidação e por novas ocupações e loteamentos irregulares. É onde se situa hoje a frente de expansão de moradia de menor renda de São Paulo, marcada por precariedades materiais e situações de deslocamentos permanentes, fruto de altas nos preços de aluguel e de despejos e remoções. No mapa acima, é possível identificar um arco no sul/sudeste do município de São Paulo, composto pelos distritos de Vila Andrade (correspondente à favela de Paraisópolis), Capão Redondo, Jardim São Luís, Jardim Ângela, Parelheiros, Grajaú e Sacomã (correspondente à favela de Heliópolis); além das periferias de Osasco, Guarulhos e do ABC. Importante chamar atenção ainda para a presença dos melhores percentuais de Haddad em regiões do centro de São Paulo, também marcadas pela presença de territórios populares.

Chama a atenção a grande coincidência eleitoral desses territórios com as regiões que concentraram os maiores percentuais de votos brancos e nulos da metrópole, acrescentando-se, neste caso, uma grande franja no extremo leste da capital em distritos como Itaim Paulista e Jardim Helena. Esse fenômeno provavelmente se deve à insatisfação e negação da política exatamente aonde a presença de políticas públicas se dá, sobretudo, através da ação da polícia e muito menos em ações de acolhimento e qualificação.

Mapa: Pedro Mendonça, LabCidade

Finalmente, a geografia dos maiores percentuais do voto em Ciro Gomes é bem clara. Seus votos estão concentrados em bairros residenciais centrais entorno do centro novo da capital. Os bairros de Santa Cecília, Bela Vista e Consolação são regiões que passam atualmente por um processo de transformação e crescimento de população moradora de classe média, concentrando cada vez mais uma população jovem, principalmente universitários e profissionais das artes e da cultura, que retomaram a moradia em bairros centrais. Essa mesma população também marca presença em Vila Madalena, Pinheiros e Butantã.

Mapa: Pedro Mendonça, LabCidade

Além das dimensões que apontamos acima, a dimensão racial da geografia eleitoral das eleições de 2018 é um tema que deve ser profundamente estudado. Uma reportagem do jornal El País revela que os municípios eleitores do candidato do PSL têm população majoritariamente branca, enquanto que, nos municípios eleitores de Haddad, é majoritariamente não branca. Sobrepondo as seções eleitorais em que Bolsonaro teve mais de 50% dos votos com o mapa da distribuição racial da metrópole de São Paulo, o fenômeno identificado a nível nacional se confirma: os bairros eleitores de Bolsonaro são majoritariamente brancos, enquanto as regiões onde Haddad foi melhor (e os votos brancos e nulos abundaram) são majoritariamente não brancas.

Mapa racial do Brasil, Pata Data (http://patadata.org/maparacial/)

As leituras aqui apresentadas evidenciam a complexidade do voto na RMSP no primeiro turno. É evidente que a tradicional leitura, que durante décadas trabalhou com a oposição centro-periferia, não tem mais força explicativa para expressar a diversidade de configurações que temos em São Paulo, e que correspondem não apenas a clivagens socioeconômicas, mas também a territórios político-culturais. Será necessário ainda não apenas fazer a leitura do segundo turno (que faremos proximamente), mas, sobretudo, realizar um esforço de pesquisa e análise que nos permita entender as novas dinâmicas de nossa cidade, estratégia fundamental para pensarmos um horizonte utópico de reconstrução político-cultural para a nossa cidade e nosso país.

 

Veja, abaixo, mapas com leituras completas dos percentuais de voto para cada candidato: 

Mapa: Pedro Mendonça, LabCidade
Mapa: Pedro Mendonça, LabCidade
Mapa: Pedro Mendonça, LabCidade
Mapa: Pedro Mendonça, LabCidade