Por Raquel Rolnik*
No domingo da semana passada (19), o senador Gustavo Petro foi eleito o novo presidente da Colômbia, com 50,47% dos votos válidos, em chapa com Francia Márquez, ativista ambientalista e primeira mulher negra da história a ocupar o cargo de vice-presidente no país.
Apesar da grande imprensa brasileira ter preferido defini-lo como ex-guerrilheiro (ativando seu passado como parte do movimento de luta armada M-19, durante a década de 1980), Petro se projetou de fato na política nacional a partir de sua atuação como prefeito de Bogotá, entre 2012 e 2015, depois de ter atuado durante mais de uma década na política institucional, inclusive como Senador da República.
Essa grande projeção ocorreu em função de dois fatores. O primeiro foi o impacto das ações sociais executadas em seu mandato, como programas de escolas em tempo integral, alimentação escolar, ampliação do acesso a atividades de prevenção em centros de saúde e subsídios diretos a pessoas em situação de extrema pobreza.
Essa medidas foram centrais para uma melhoria considerável nos indicadores socioeconômicos da capital: de acordo com os dados do Departamento Administrativo Nacional de Estadísticas (DANE), entre 2011 e 2015 o índice de pobreza multidimensional em Bogotá (que engloba condições de saúde, educação, trabalho, moradia, emprego e acesso a serviços públicos) foi de 11,9% a 4,7%.
Mas o que mais gerou repercussão política não foram estes programas, e sim uma enorme controvérsia relacionada à administração do lixo que aconteceu durante a sua administração. Naquela época, as empresas privadas que faziam coleta e destinação do lixo estavam atuando com contratos postergados, já que a nova licitação que deveria ter sido feita no governo do prefeito anterior foi suspensa pela justiça por não incluir reciclagem e recicladores.
Quando Petro assume, ele resolve criar uma empresa pública de lixo, incluindo também a reciclagem, a partir da expansão uma estatal muito bem avaliada que já existia, a “Empresa de Acueducto y Alcantarillado de Bogotá”, a Águas de Bogotá, que fazia a gestão de água e esgoto da capital.
Esse processo de transição complexo foi bastante apressado, sem que a prefeitura tivesse conseguido montar a estrutura logística e de equipamentos necessária para dar conta da tarefa. A consequência foi o caos na cidade, que ficou dias com coleta insuficiente, desgastando tremendamente Petro e fazendo a Procuradoria Geral da República da Colômbia cassar seu mandato e proibi-lo de ocupar cargos públicos por 15 anos.
Porém, foi justamente essa suspensão e o fato de ele ter lutado contra ela por meio de intensa mobilização social e um processo na Corte Interamericana de Direitos Humanos (que avaliou que não havia sustentação para argumentos a favor do seu afastamento e determinou o governo da Colômbia a reintegrá-lo ao cargo 35 dias depois da suspensão) que o tornaram uma liderança de grande popularidade.
E quanto ao lixo? Mesmo nos anos seguintes, Petro não conseguiu estatizar plenamente a gestão do lixo e acabou contratando as empresas que eram anteriormente concessionárias como operadoras de 80% e, posteriormente, 50% da coleta. Em 2018, seu sucessor – e arqui-inimigo político – Enrique Peñalosa – fez uma nova licitação, voltando completamente o sistema para o modelo anterior e sem incluir a empresa Águas de Bogotá.
Mas Petro não se dá por vencido: segundo ele, a experiência conseguiu reduzir em 8 a 11% os custos de operação e incorporar 14 mil pequenas empresas de reciclagem ao sistema. Além disso, tentar implementar essa empresa pública aproximou a equipe municipal da logística interna desse serviço, expertise que permitiu uma avaliação mais criteriosa dos orçamentos nos processos de licitação.
* Professora da FAU-USP e coordenadora do LabCidade.
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