Seca e chuvas intensas castigam populações de forma desigual na região metropolitana
Por Raquel Rolnik e Fabio Magrani

As mudanças climáticas na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) manifestam-se não apenas nos fenômenos que classicamente vêm à mente, como enchentes e desmoronamentos, mas também em um fenômeno diametralmente oposto que é igualmente destrutivo: o aumento dos períodos de seca. Essa oscilação entre extremos de chuvas intensas e seca absoluta tem exposto a vulnerabilidade das cidades, atingindo de forma desigual suas populações, com as consequências se acumulando desproporcionalmente sobre aqueles que já têm piores condições de moradia. .
A Intensificação dos extremos hídricos
Embora a percepção popular seja de que “está caindo muito mais chuva”, a análise do fenômeno meteorológico revela que a mudança crucial está na concentração dos períodos de chuva. O que se observa é uma densidade maior, resultando em mais chuva em menos tempo. Essa alta concentração faz com que a água chegue em grandes volumes de uma vez só, ultrapassando a capacidade de absorção dos vertedouros e do solo. Tais eventos hidrológicos extremos geram inundações, enxurradas e alagamentos que apesar de parecerem a mesma coisa são fenômenos diferentes, além de escorregamentos em algumas áreas. Em contraste, a mudança climática também trouxe o aumento do número de dias de seca na cidade. Este tem sido exatamente o cenário mais recente vivido, em São Paulo,quando a região enfrenta uma crise de abastecimento. Os reservatórios que fornecem água à cidade, atingiram níveis extremamente baixos e preocupantes.

Escassez, pressão baixa e o preço da economia
Como resposta a crise de abastecimento hídrico a concessionária de água e esgoto da metrópole assumiu medidas de gestão que, infelizmente, recaem sobre o os moradores . Uma das medidas é a redução da pressão da água distribuída adotada para economizar e evitar perdas no sistema. Além disso, a concessionária aumenta o número de horas em que o abastecimento é interrompido. A redução da pressão, contudo, impede que algumas regiões, especialmente em áreas mais altas, ou reservatórios situados no alto de edificações , consigam encher suas caixas d’água. Essa situação resulta em várias ocorrências de falta d’água. Além disso há relatos que em em áreas muito baixas, a baixa pressão fez com que o esgoto voltasse, contaminando a água tratada. É importante ressaltar que a medida de redução da pressão é uma resposta imediata a um problema estrutural, que são as perdas do sistema, que no caso de São Paulo chegam a 30% de acordo com a própria SABESP . Trata-se de vazamentos e ligações clandestinas, uma situação que se apresenta há décadas e que representa no cotidiano um enorme desperdício.

Vulnerabilidade social e acúmulo de riscos
O impacto desses fenômenos (como enchentes, deslizamentos ou falta d’água) é absolutamente diferencial. Os riscos associados às mudanças climáticas – como as consequências adversas sobre a saúde, bens, serviços ecossistêmicos e a própria vida – não são sentidos por todos da mesma maneira.

A vulnerabilidade social refere-se ao potencial de danos, condicionado pela suscetibilidade humana a eventos nocivos. Na RMSP, as situações de risco se acumulam:
- População de menor renda: A população com menor renda é a mais afetada.
- Infraestrutura precária: Sofrem com menor infraestrutura de abastecimento de água.
- Maior exposição: Estão menos protegidos das enchentes, enxurradas, alagamentos e deslizamentos.
Em essência, aqueles com infraestrutura menos sofisticada de abastecimento de água e menor proteção estrutural contra inundações e desmoronamentos são exatamente os que sofrerão as piores consequências dos extremos climáticos.

Portanto, os efeitos das mudanças climáticas na Região Metropolitana de São Paulo não são apenas uma questão de precipitação e temperatura, mas fundamentalmente de condições preexistentes , extremamente desiguais , e das formas históricas de perpetuá-las. A crise hídrica, o risco hidrológico (como inundações e enxurradas) e geológico (deslizamentos e corridas de massa) estão interligados, maximizando de forma cruel a incapacidade de resiliência e a propensão da população mais vulnerável ser adversamente afetada. É um problema de clima? Sim, mas sobretudo é um problema de moradia, e da forma perversa como resolvemos este problema em nossas cidades.
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Este texto apresenta resultados preliminares da pesquisa coletiva conduzida no âmbito do projeto temático “Observatório de Remoções: dimensões interdisciplinares do risco em tempos de mudanças climáticas e crise habitacional”, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Processo FAPESP Nº 2023/12851-7 e 2025/02035-3).
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Raquel Rolnik, professora na FAUUSP e coordenadora do LabCidade.
Fabio Magrani, pos doutorando pelo IME-USP.
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