FOTO: ALICE VERGUEIRO

Bombas, destruição, estigmatização e violência têm sido a tônica das políticas públicas para a “Cracolândia”. As problemáticas que permeiam a região são complexas e o tripé repressão/destruição/remoção fracassou em transformar a área. Propostas responsáveis e humanizadas podem de fato melhorar a qualidade de vida de quem mora ou transita pela Luz/Campos Elíseos. É sobre isso que fala o episódio 27 do “A Cidade é Nossa”, produzido por Raquel Rolnik e Amanda Mazzei, da equipe do LabCidade. Para ouvi-lo na sua plataforma de podcast favorita acesse: spotify, apple podcasts, google podcasts e overcast

 

Luz para os Campos Elíseos” é a proposta-manifesto elaborada pelo Fórum Aberto Mundaréu da Luz – uma articulação de instituições, grupos de pesquisa, coletivos e população que vive nessa região . O documento evidencia o fracasso das políticas vigentes e elenca propostas para esses territórios – confira na íntegra abaixo. Veja também o documento “Campos Elíseos Vivo”, projeto de intervenção urbanística e social.

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LUZ PARA OS CAMPOS ELÍSEOS:
MANIFESTO POR AFETOS, DIREITOS E PARTICIPAÇÃO SOCIAL

Os bairros da Luz e do Campos Elíseos, na região central de São Paulo, convivem há décadas com tentativas infrutíferas de deslocar à força quem vive ali. Removendo pessoas, lacrando comércios e demolindo imóveis, essas ações autoritárias transformaram um dos mais antigos e tradicionais bairros de São Paulo em ruínas e cenário de abandono. Essa política de destruição, camuflada como “revitalização”, se vale da existência de uma cena aberta de consumo de álcool e outras drogas (Cracolândia) e da histórica concentração de população em situação de rua nesse território.

Sob uma perspectiva de “guerra às drogas”, essa política conflagra a região como zona de conflito que se arrasta por anos sem nenhum sucesso na superação das condições de vulnerabilidade e precariedade que vêm se aprofundando nesta área.

Pelo contrário, atualmente mais de 400 famílias – moradoras das quadras do bairro – estão ameaçadas de remoção em plena pandemia. Contraditoriamente, a promessa de demolição de dois quarteirões inteiros volta-se para um projeto de moradia – implementado por Parceria Público Privada – mas que não vai atender quem ali já vive e trabalha.

Além da constante ameaça de despejo, essa população convive com o aumento significativo da violência policial. Essa violência não afeta somente a população em situação de rua criminalizada, mas todos aqueles que vivem e trabalham no entorno: antigos moradores das pensões, comerciantes locais e também os novos moradores do recente Complexo Júlio Prestes.

Contrapondo-se a este cenário devastador, um grupo de coletivos, entidades, universidades e articulações ligadas às pessoas que moram, trabalham e circulam na região, provam cotidianamente que existe vida, potência e alternativas pensadas e produzidas a partir do próprio território!

São grupos como as companhias teatrais “Pessoal do Faroeste”, da “Mungunzá” e “A Próxima Companhia”, coletivos como o “Paulestinos”, o “Pagode na Lata” e o “Birico” que, por meio da arte e da cultura, transformam e provocam o cotidiano desse território; as mulheres guerreiras do Coletivo Tem Sentimento, gerando renda, costurando máscaras, camisetas e sonhos em meio a tanto descaso e abandono; a “Craco Resiste” e o “Centro de Convivência É de Lei”, com ações de redução de danos que nos ensinam que o cuidado é o caminho. Somam também as Ocupações de Moradia do centro e seus movimentos organizados; o projeto “Fique Vivo”; a Casa de Oração do Povo de Rua, a Associação Agentes da Cidadania – Mulheres da Luz e o Balcão de Direitos da Comissão de Direitos Humanos da OAB, demonstrando que o respeito pelos direitos deve sempre prevalecer. Juntamente com laboratórios, ONGs e escritórios modelo (LabCidadeInstituto PólisMosaico -FAUMackenzie e o Instituto de Arquitetos de Brasil).

Essa diversidade de atores e repertórios constitui o Fórum Aberto Mundaréu da Luz. Esse mundaréu de conhecimentos e práticas consolidou um plano urbanístico e social que evidencia, de forma concreta, como a moradia – e não as bombas – pode ser a melhor alternativa para as pessoas que vivem nesses bairros. Ou seja, existe proposta construída cuidadosamente para a população dali. E com ela!

A solução para a região da Luz/Campos Elíseos não passa por tiro, agressões e bomba, mas pela construção coletiva e democrática de direitos, dentre eles o da moradia, da memória e do cuidado.

Quando afirmamos o direito à moradia, estamos falando de espaços de morar diversos, múltiplos, exatamente como é a realidade das pessoas que vivem, trabalham e constroem seus projetos de vida neste território. Por isso, não se trata de se opor a quem está chegando ali, mas de garantir a permanência – com qualidade – de toda a diversidade que existe nestes bairros.
Neles, temos pessoas morando há mais de 30 anos em pensões e outras que acabaram de chegar; há casas que servem também para atividades de trabalho como cozinhar e preparar marmitas para vender; que agregam pequenas oficinas para consertos; moradias que abrigam famílias com crianças ou gente mais velha, que aluga um espaço para dormir. Existem, também, os comércios locais, pequenos bares e restaurantes que animam as ruas e garantem o sustento de quem trabalha por ali.

As pessoas em situação de rua também precisam de um espaço que respeite suas necessidades e busque dar segurança e estabilidade para os corres do dia a dia. Tem espaço para todo mundo nessa região tão viva, rica e popular da cidade. Para ela ser um lugar melhor para todas as pessoas, é preciso que os projetos partam do que já existe, respeitando todos que ali vivem. É a partir dos próprios modos de ser, produzir, viver, habitar e se reproduzir a cidade que temos que tirar a base para construir o novo.

Desta forma, é urgente que a população tenha voz ativa na definição do presente e do futuro deste território. Em especial no momento atual de eleições municipais, é fundamental ampliar o debate sobre os bairros da Luz e Campos Elíseos, com o envolvimento da população que ali vive, trabalha e circula, bem como das diferentes iniciativas – citadas nesse documento- que, com inúmeras dificuldades, já transformam o dia a dia desse lugar.

Assinam o manifesto:

Ação da Cidadania
Associação Rede Rua
Centro de Convivência É de Lei
Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos
Companhia de Teatro Mungunzá
Companhia de Teatro Pessoal do Faroeste
Defensoria Pública de São Paulo, núcleos especializados: Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres (Nudem), Habitação e Urbanismo (Nehaburb), Cidadania e Direitos Humanos (NECDH), Direitos do Idoso e da Pessoa com Deficiência (Nediped)
Diversitas – USP
FLM – Frente de Luta por Moradia
Frente Estadual de Luta Antimanicomial (Feasp-SP)
Goma Oficina
IAB-SP – Instituto de Arquitetos do Brasil/São Paulo
INNPD – Iniciativa Negra por uma Nova Política Sobre Drogas
Instituto Pólis
LabCidade – Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade/FAUUSP
LabJUTA – Laboratório Justiça Territorial/UFABC
LEVV – Laboratório de Estudos da Violência e Vulnerabilidade Social/Mackenzie
Moradores e comerciantes das quadras 36, 37 e 38 do bairro Campos Elíseos
Mosaico – Escritório Modelo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo/Mackenzie
Movimento Integra
Núcleo de Defesa de Direitos Humanos da Pop Rua – São Paulo
Observatório de Remoções
Pagode na Lata
Paulestinos
Pimentalab – Laboratório de Tecnologia, Política e Conhecimento – Unifesp
A Próxima Companhia de Teatro
REPEP – Rede Paulista de Educação Patrimonial
Sã Consciência
UMM – União dos Movimentos de Moradia
Unifesp – Departamento de Medicina Preventiva