Raquel Rolnik*
Na Argentina, foi aprovada no ano de 2020, em plena pandemia, uma modificação na Lei do Inquilinato. A nova lei aumentou de dois para três anos o prazo mínimo do contrato de aluguel e estabeleceu um intervalo de pelo menos um ano para reajustes. Também passou a exigir que os aluguéis (que hoje são em sua grande maioria dolarizados e não declarados) sejam registrados.
O objetivo da lei aprovada em 2020 era proteger os inquilinos das ameaças de despejos decorrentes de aumentos dos aluguéis em uma escala muito maior do que o aumento da renda da população, em um cenário de alta inflação, perda de poder aquisitivo e crise sanitária.
Os aluguéis pesam tremendamente nessa conjuntura, não só para os mais pobres mas também para as classes médias, que começam a se endividar para poder arcar com essa despesa: uma pesquisa realizada em junho de 2020 apontou que 49% dos inquilinos argentinos não pôde pagar o aluguel do mês e que 67% da população estava endividada ou recebendo ajuda familiar para arcar com os custos de vida.
Essa lei está sofrendo uma enorme campanha midiática em defesa de sua revogação. Seus opositores argumentam que a legislação teria sido responsável por um aumento de preços em função da carência de disponibilidade de locais para locação.
Isso não se sustenta empiricamente. De acordo com um levantamento do Instituto de Vivienda de la Ciudad de Buenos Aires (IVC) realizado em 2019, 9,2% dos imóveis residenciais da capital (o equivalente a mais de 138 mil unidades) se encontravam vazios. O aumento de preços dos aluguéis em Buenos Aires e nas grandes cidades argentinas não tem nada a ver com a regulação, e sim com um encarecimento geral no mercado imobiliário movido pela disponibilidade de recursos financeiros para investimento, um fenômeno global, e que já estava ocorrendo na cidade antes da adoção da nova lei.
De qualquer maneira, essa discussão tem levantado uma enorme controvérsia e colocado o aluguel no centro do debate da política habitacional em particular mas também da agenda política como um todo, bastante polarizada em torno da discussão da regulação e impostos, em um movimento claro contra qualquer captura de excedente de renda para poder estabelecer políticas redistributivas a partir do Estado. Esse movimento acompanha também uma tendência global de inquilinização, ou seja , de aumento da porcentagem de inquilinos dentro do parque habitacional, transformando cada vez mais a moradia em fonte de extração de renda, com efeitos, globais também, de intensificação da crise da moradia.
* Professora da FAU-USP e coordenadora do LabCidade. Coluna originalmente publicada no UOL.
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