Por Débora Ungaretti, Larissa Lacerda, Fernanda Accioly Moreira, Thamires Ribamar e Raquel Rolnik*
Nesta semana, os cerca de 400 moradores da Ocupação Viva Jardim Julieta, no distrito de Vila Medeiros, Zona Norte de São Paulo, receberam a notícia de que devem desocupar a área.
A ocupação teve início há cerca de um mês, reunindo, sobretudo, moradores que viviam de aluguel no Jardim Julieta e no Parque Novo Mundo que, por conta da pandemia do novo coronavírus, não estavam mais conseguindo arcar com os custos da moradia. Parte deles se encontrava no mercado informal de aluguel e foram despejados em ações violentas, sem nenhuma garantia: segundo uma moradora da região, é recorrente a prática de locadores obrigarem os locatários a saírem da casa deixando os móveis para trás, para serem vendidos como forma de pagamento das dívidas.
A notícia da ocupação correu e, pouco tempo depois, o assentamento já contava com moradores vindos de mais longe, da Zona Leste de São Paulo e de Osasco.
Nos anos 1980, a então EMURB desapropriou áreas extensas na Vila Medeiros para implantação de um projeto de urbanização ligado a usos logísticos, que resultou no Terminal de Cargas Fernão Dias e na construção de conjuntos habitacionais pela COHAB. A segunda etapa do projeto, contudo, nunca foi implantada, e por isso os terrenos da SP Urbanismo, hoje ocupados, estão sem nenhum uso há décadas.
Segundo moradores do bairro, um dos terrenos funciona há anos como estacionamento clandestino de caminhões – gerido por uma máfia, segundo eles. A denúncia sobre a atividade ilegal já foi notícia de jornal e objeto de operação policial, mas ainda assim funcionou por vários anos.
Ao longo do tempo, muitos projetos foram elaborados para a área. Desde 2014, a SP Urbanismo passou a coordenar um projeto intersecretarial, discutido e validado em instâncias com participação da sociedade civil, que previu a construção de equipamentos públicos de saúde e educação, a urbanização e a regularização fundiária de favelas da região que estavam previstas desde 2006, como a favela do Violão e Aurora, além da produção de novas unidades. Sem nenhum aviso ou discussão nas instâncias participativas, em 2018 o projeto foi abandonado e os terrenos da SP Urbanismo foram incluídos no Lote 7 da PPP Habitacional da COHAB para construção de empreendimentos habitacionais e comerciais a serem explorados por uma concessionária. Dada a previsão de remoção das favelas, moradores se organizaram e fizeram um abaixo assinado: remoção não, queremos regularização fundiária!
Já denunciamos diversas vezes aqui que o projeto da PPP Habitacional é problemático por diversas razões, entre elas a previsão de remoção de milhares de famílias sem oferecer uma solução habitacional adequada (como a regularização fundiária). O projeto para a área atualmente ocupada prevê a construção de habitações para atendimento de famílias de renda mais alta do que aquelas que serão removidas e envolve a transferência de áreas públicas bem localizadas para construção dos usos mais rentáveis, a ser escolhidos pelo mercado – como shopping, prédios comerciais e terminais logísticos. Não há, assim, nenhuma proposta para famílias de perfis socioeconômicos mais baixos, como aquelas centenas que atualmente ocupam a área.
No dia 11 de junho, foi publicado no Diário Oficial o adiamento do início das obras. Àquela altura, os terrenos já estavam ocupados. Ainda assim, mesmo diante do contexto da pandemia do novo coronavírus, as famílias se veem mais uma vez sob ameaça de irem para rua, ampliando o risco de contágio, agora, em decorrência de uma ação movida pela SP Urbanismo. Ao mesmo tempo, as famílias das comunidades do entorno seguem cobrando da prefeitura que o projeto para a área, qualquer que seja ele, seja pensado a partir da realidade socioeconômica das famílias que vivem na região.
Importante ressaltar que, desde o início da pandemia, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo (CSM-TJSP) editaram normativas prevendo que todos os atos judiciais que não fossem compatíveis com o distanciamento social deveriam ser adiados. É o caso do cumprimento de despejos e de reintegrações de posse – como já nos posicionamos diversas vezes. No estado de São Paulo, essa orientação foi renovada até 26 de julho.
Diante desse contexto, as decisões judiciais baseadas em uma simples análise de titularidade do terreno ignora o real conflito que está em jogo. Mas não só isso: expõem contradições do próprio Tribunal de Justiça de São Paulo que, de um lado, orienta pelo adiamento de atos processuais que sejam incompatíveis com o distanciamento social e, por outro, decide no caso concreto pela remoção.
Diversos movimentos populares de moradia – União dos Movimentos de Moradia, Central dos Movimentos Populares, entre outros – junto com entidades de proteção à moradia e aos direitos humanos e com o Observatório de Remoções estão fazendo um apelo: parem as remoções.
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