Locação social promovida por corporações empresariais encarece custo da operação para poder público, pois ele precisa garantir subsídios não só para cobrir os custos, mas também as expectativas de lucro do parceiro privado.
Por Raquel Rolnik *
Como já vinha sido anunciado, o ministro do Desenvolvimento Regional, Gustavo Canuto, antecipou na última terça-feira, em audiência convocada pela Comissão de Desenvolvimento da Câmara Federal, algumas das mudanças que ocorrerão na política habitacional, em substituição às regras atuais do Programa Minha Casa Minha Vida e ao PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).
Conforme explicou Canuto, são várias as mudanças anunciadas em relação aos programas atuais, prevendo a atuação do governo federal em programas de acesso à moradia (que se desdobrarão em programas de aluguel ou compra das unidades), bem como de melhorias habitacionais, urbanização dos assentamentos, regularização fundiária.
Neste momento, entretanto, quero chamar a atenção apenas para um dos pontos, os programas de aluguel, porque são a maior novidade desta política lançada pelo governo. A ideia de incorporar programas de aluguel social às políticas públicas de moradia há tempos vem sendo discutida pelos envolvidos neste campo no Brasil – e inclusive já está sendo experimentada, ainda que em escala reduzida, na cidade de São Paulo, que conta hoje com um estoque de imóveis públicos alugados. Na cidade a locação social, em várias modalidades, também faz parte do Plano Municipal de Habitação, que está na Câmara desde o final de 2016, mas que não foi discutido e aprovado até hoje.
A política apresentada pelo governo federal prevê duas modalidades de atuação: (1) um serviço de moradia social de aluguel dirigido a famílias com renda de até um salário mínimo (acrescida de um fator de localização) e que recebem benefícios de assistência pública, em um estoque de moradias proposto construído por prefeituras ou governos estaduais e gerido por estes, através de contratos com privados e (2) um programa de locação social financiada para famílias com renda de um a quatro salários mínimos, também acrescido de um fator de localização. Nele uma empresa privada toma um financiamento da Caixa ou capta recursos no mercado de capitais, através de fundos imobiliários.
Para ambas as modalidades são as prefeituras que vão selecionar os beneficiários.
Vai ser o poder público, municipal ou estadual, no caso da moradia social, o responsável por toda a operação, usando inclusive terrenos públicos. No segundo caso, da locação social financiada, uma empresa privada vai buscar o terreno, fazer a construção e administrar os edifícios e os contratos de aluguel dos imóveis, com opção de compra, ao longo de vários anos, contando com garantias e subsídios públicos.
Embora seja importante e necessária a incorporação de um programa de aluguel social na política habitacional, o modelo proposto apresenta alguns problemas. Em´primeiro lugar, o modelo de locação social financiada proposto será sem dúvida bastante caro para o governo, na medida em que este terá que entrar com recursos vultosos, como garantias e contrapartidas, de modo a apresentar um modelo econômico financeiro atraente para os fundos imobiliários. Ora, as corporações privadas e gestores de fundos financeiros entrarão no programa se o governo oferecer uma possibilidade de remuneração maior do que outros investimentos imobiliários. Ou seja, o governo vai arcar com os custos – e expectativas de lucro – dos parceiros privados.
É importante lembrar que programas de locação social existem em muitos lugares do mundo há décadas. E que na maior parte dos países em que isso funciona relativamente bem, os promotores e gestores do estoque de apartamentos e casas de aluguel são entidades sem fins lucrativos, como cooperativas, associações filantrópicas, ou outras figuras jurídicas que garantam que todo o capital envolvido no empreendimento, inclusive seu excedente, vai ser investido na promoção e manutenção deste tipo de moradias.
Esta figura de uma empresa ou organização sem fins lucrativos é chamado de Housing Association no Reino Unido, de Bailleur Social na França e há figuras semelhantes na Holanda e Alemanha.
As organizações recebem subsídios públicos para sua atividade e sempre são geridas por conselhos nos quais residentes, governos, organizações comunitárias e empresas envolvidas participam no controle e tomam decisões. Porque operam numa lógica sem fins lucrativos, diminuem muito o valor da contra-prestação devida pelo setor público.
Políticas de aluguel social devem fazer o melhor uso do recurso público para atender quem mais precisa, e não oferecer novas possibilidades de remuneração para os capitais.
*Raquel Rolnik é professora da FAU-USP e coordenadora do LabCidade. Coluna originalmente publicada no UOL.
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