Por Raquel Rolnik*
Política orientada por interesses puramente financeiros desampara cada vez mais quem mais precisa dela para ter acesso à moradia
As políticas públicas desenhadas para enfrentar a situação de emergência habitacional do país, no lugar de contribuírem, pelo contrário têm piorado o cenário já duramente afetado pela crise econômica, desemprego, e aumento significativo do valor dos imóveis e aluguéis.
No programa Minha Casa Minha Vida, praticamente paralisado e sem ofertas de novos contratos na faixa que atende justamente as situações de maior pobreza e vulnerabilidade, e onde há enorme demora na liberação dos recursos de contratos já assinados, cresceu a inadimplência dos mutuários. Ou seja, quem conseguiu acessar o programa está tendo cada vez mais dificuldade de honrar as prestações.
Desde 2015, pelo menos, o número de contratos com atrasos no pagamento vem crescendo, tendência que se agravou em 2018. De acordo com os dados da CAIXA, que recebe recursos públicos para gerir uma política pública, e é portanto o agente financeiro do programa, se em 2015 eram 167 mil os mutuários em atraso, só entre janeiro e agosto de 2018 estes já somavam 351 mil. Ainda segundo o banco, na faixa 1, de menor renda, pois destina-se a famílias que ganham até R$ 1.800, a inadimplência chega a 25% dos contratos.
A política da CAIXA tem sido de procurar renegociar as dívidas – e, na persistência da inadimplência, retirar as famílias e colocar os imóveis em leilão. Não há informações precisas e acessíveis publicamente para sabermos exatamente quantas famílias já foram retiradas e quantos casas ou apartamentos já foram a leilão. Entretanto, reportagens publicadas na imprensa noticiaram que só em 2017 foram quase 30 mil e que este número cresce sem cessar.
Em entrevista à Folha de S. Paulo o novo presidente da CAIXA, Pedro Guimarães, avaliou a questão. “As pessoas que tomaram empréstimo tinham condição de pagar? Isso não estava colocado corretamente no risco do crédito“. De fato, várias pesquisas, inclusive realizadas por universidades brasileiras, já apontavam para o problema de famílias com renda extremamente baixas, muitas vezes ocasional, e em situações de grande vulnerabilidade, arcarem com os cursos condominiais e de serviços decorrentes do modelo adotado pelo programa. O que exige, sem dúvida, uma reformulação deste.
Entretanto, o que o presidente da CAIXA anuncia como “solução para o problema” é simplesmente, no caso dos mutuários das faixas 1 e 2 (esta específica para famílias com renda de até R$ 4 mil), que a instituição financeira passe a considerar a capacidade de pagamento adicional dessas outras contas nas análises do risco de crédito das famílias. Ou seja: elas não terão mais acesso ao programa.
Trata-se de uma medida que coloca no centro da política a necessidade da Caixa , que recebe recursos públicos para gerir uma política publica, recuperar com lucro o capital investido e não as necessidades habitacionais das famílias. E mais, diante de uma crise habitacional – agravada pelas retiradas das famílias inadimplentes das casas – as repostas até o momento por parte do governo federal foram até agora aumentar o teto do financiamento e, agora, excluir quem não pode pagar condomínio, água e luz. Ou seja, este programa governamental, público, vai mais e mais passar a se dirigir a quem precisa menos dele.
* Professora da FAU-USP e coordenadora do LabCidade. Coluna publicada originalmente no UOL.
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