Neste último domingo o Observatório de Remoções acompanhou de perto a negociação e a retirada dos ocupantes de um terreno ocupado pelo MLB (Movimento de Luta nos Bairros Vilas e Favelas) no bairro Demarchi, em São Bernardo do Campo, SP.
No final da madrugada o movimento havia ocupado o imóvel de 26 mil metros quadrados que abriga seis torres inacabadas e abandonadas há pelo menos 30 anos, de acordo com os jornais ABCD Maior e Diário do Grande ABC. A ocupação foi nomeada Eliana Silva 2.
Poucas horas depois da ocupação, por volta de 10h30 da manhã viaturas da GCM e da Polícia Militar cercaram o terreno impedindo a entrada de pessoas e alimentos. Por volta das 13h00 o Secretário Municipal de Segurança Urbana, Cícero Ribeiro, propôs que o grupo desocupasse a área em 45 minutos e que seriam recebidos por representantes da Secretaria de Habitação, SEHAB. O grupo aceitou a proposta em termos, com a condição de ficar no terreno até manhã desta segunda feira quando então seriam recebidos pelos representantes da SEHAB. A proposta do MLB, contudo, não foi aceita pelo Secretário e às 13h50 da tarde a GCM entrou no terreno pelos fundos utilizando todo o aparato disponível para retirar com violência todos os ocupantes e apoiadores da causa, causando tumulto e provocando ferimentos em pessoas que estavam na ocupação.
Não foi a primeira vez que uma desocupação ocorreu no município com uso de violência. Em suas duas tentativas de ocupação de imóveis particulares ociosos no município de São Bernardo do Campo, o MLB foi violentamente repelido pela GCM, que atuou armada. Em dezembro de 2014, quando o movimento ocupou um imóvel particular no Bairro Cooperativa, a ocupação Devanir de Carvalho, enfrentou bombas de gás, balas de borracha e outros artefatos de repressão.
Um setor público de repressão às ocupações
Desde o ano de 2009 o município de São Bernardo do Campo possui um setor de controle de adensamento habitacional vinculado à SEHAB. Criado para coibir ocupações irregulares no município, o setor atua nas áreas de proteção dos mananciais da Represa Billings e em áreas consideradas de risco. De acordo com a política habitacional do município, que tem atuado intensamente na urbanização de assentamentos precários e provisão de moradia , o controle das ocupações irregulares em áreas de risco e de proteção ambiental é fundamental para garantir segurança às famílias e proteção ao meio ambiente.
Entretanto, casos como da ocupação Eliana Silva 2 não se enquadram nestas condições, apesar da situação de risco existente no terreno ter justificado a atuação do setor de controle, conforme afirmou o agente público que acompanhou toda a operação. Na ocupação Devanir de Carvalho, em 2014, a justificativa da repressão e do despejo teria sido a lei de zoneamento. Na verdade o uso da força nas repressões às ocupações por moradia é generalizado: “nenhuma ocupação, ou invasão permanecerá em São Bernardo”, declarou o Secretário de Segurança Urbana, Cícero Ribeiro ao jornal ABCD Maior.
O questionável uso da força policial nos conflitos fundiários urbanos
É bastante controversa a utilização de projéteis, armas de fogo, explosivos e outros aparatos contra os movimentos sociais de luta por moradia nas ações de desocupação, reintegrações de posse e despejos coletivos. É notável que o uso da força desproporcional, como geralmente se apresenta, potencializa violações de direitos humanos. Exatamente por esta razão, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo criou o grupo de apoio às ordens judiciais, GAORP, em novembro de 2014, com o objetivo de estabelecer procedimentos específicos e consensuais visando reduzir impactos sociais derivados do cumprimento de ordem judicial de reintegração de posse. A Polícia Militar, por sua vez, deve se orientar por uma diretriz interna que impõe um amplo e minucioso planejamento onde, para mitigar conflitos, deve o comando policial responsável pela operação articular apoios sociais e reuniões preparatórias. Afinal, se pode haver impactos ambientais decorrentes da ocupação de áreas na cidade, certamente podem ocorrer impactos sociais decorrentes da maneira como são conduzidas as remoções.
Claro que estes exemplos de medidas institucionais implementados no Estado, assim como a normativa criada pelo Governo Federal para mediação de conflitos, estão longe de coibir abusos. Com raras exceções, como a recente decisão do Superior Tribunal de Justiça em mandado de segurança no caso da ocupação Izidora, em Belo Horizonte, MG que, invocando a proteção dos direitos à dignidade humana, suspendeu as medidas de despejo contra a ocupação entendendo prevenir ilegalidades, abusos e o uso da violência pelo Estado na execução da ordem judicial, a prática ainda é de reintegrações de posse violentas, sem mediações nem saídas de proteção ao direito humano a moradia adequada dos ocupantes.
O caso de São Bernardo do Campo, berço de movimentos sociais e de lutas sociopolíticas pelos direitos, a ação da Guarda Municipal , cuja competência essencial está em promover a proteção de bens e imóveis públicos – e não de imoveis privados que não cumprem sua função social -, traz um perigoso e questionável modelo de repressão e uso de violência desproporcional.
Neste sentido, tornam-se necessárias revisões de procedimentos relativamente a segurança pública, bem como, aprofundamento dos debates sobre os conflitos fundiários urbanos, tão comuns em todo o Brasil, numa perspectiva dos direitos humanos, tema afeto as políticas de habitação e desenvolvimento urbano.
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