A Cidade de Foz do Iguaçu, no Paraná, conhecida pela beleza cênica das cataratas do Rio Iguaçu e pela trinacional localização política, é a cidade onde se instalou o campus da Universidade Federal da Integração Latino- America, UNILA.
Existente desde 2007 quando começou a ser estruturada, a UNILA foi instituída pela Lei federal 12.189 de 2010. Está na sua constituição a disposição para o processo bilíngue de seleção de professores e alunos. As atividades acadêmicas se iniciaram em 2010 quando a Universidade já contava com cerca de 200 alunos oriundos do Brasil, Paraguai, Uruguai e Argentina, subdividido em seis cursos de graduação.
Claro que a abertura de uma universidade federal com uma proposta como a da UNILA, passados agora cinco anos da instalação, trouxe para o município uma nova migração, diversa dos comerciantes, turistas de consumo e empreendedores do turismo de luxo. Dentro do campus é possível notar a diversidade de professores e estudantes nas rodinhas de conversa e nas imagens dos corredores e paredes das salas.
Esta foi uma das motivações para a equipe da Pro Reitoria de extensão da UFABC promover uma visita à Reitoria de Pró extensão da UNILA e conhecer as atividades de extensão da universidade, principalmente os trabalhos de campo desenvolvidos no âmbito do projeto Escola Popular de Planejamento da Cidade, coordenado na pela professora Cecília Machado Angileli da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo.
O roteiro do primeiro dia de visita teve início na Pro Reitoria de extensão, que se localiza no Centro de Foz do Iguaçu. A Profa. Angela Maria recebeu o grupo e apresentou as diretrizes que permeiam as atividades de extensão onde, além interdisciplinaridade e a multiculturalidade, o bilinguismo é também um eixo de ação que impõe superar dificuldades em admitir, em seleções de professores e alunos, a diversidade de idiomas, e relatou questões culturais a serem superadas que surgem quando muitos brasileiros não se identificam como latino-americanos e quando latinos de outros países são recebidos com certo preconceito na cidade de Foz do Iguaçu.
Seguimos para o campus, nos domínios da Itaipu Binacional. Os alunos e alunas vinculados ao projeto de extensão Escola Popular de Planejamento da Cidade relataram dificuldades e contradições vivendo e pesquisando na cidade. Pelos relatos sobre posturas do governo e da sociedade em geral, é possível perceber que há muito conservadorismo em Foz do Iguaçu ao lado de duas elites locais: a elite do comércio e turismo e a elite vinculada à Usina Itaipu, que são agentes importantes nas transformações espaciais, inclusive de grande impacto ambiental. Além destes, há os integrantes do Poder Público com suas pequenas e grandes nobrezas. Não é fácil, neste cenário, participar em atividades que promovam o fortalecimento de grupos em risco de remoção, sobretudo nos cursos da UNILA.
Inobstante todos esses desafios, as ações de extensão geram impactos locais positivos ao agregar alunos e promover atividades de campo por meio da Escola Popular de Planejamento.
A Escola Popular de Planejamento da Cidade trabalha com a troca de conhecimento nas comunidades em risco de remoção, trabalha no apoio para a desconstrução da remoção consentida e sem participação, na oportunidade de construir uma identidade de direito à cidade e a articulação em torno uma rede de formação comunitária e de apoiadores públicos e privados pelo respeito à população e seus direitos.
Neste contexto durante a visita foram realizados dois percursos, o primeiro na região Sul da cidade junto às áreas de grande valorização imobiliária e que concentram comunidades vulneráveis às remoções, e o segundo na região Norte da cidade nas áreas de reassentamento.
O segundo dia de visita foi um típico trabalho de campo, com visitas, conversas e almoço com os moradores dos bairros visitados.
Ocupação Bubas
A primeira das visitas foi realizada na ocupação Bubas, na região Sul. A maior ocupação urbana do Estado do Paraná, localizada próxima à fronteira de Brasil, Argentina e Paraguai. Moradores contam que o primeiro grupo, com cerca de 800 pessoas ocupou a área particular em 2013. Hoje a ocupação conta com aproximadamente 2300 moradores. É importante reforçar que esta comunidade está localizada em uma área de grande transformação urbana, que se dará com a implantação da segunda ponte de acesso ao Paraguai, bem como a nova Via Perimetral, que ligará a principal estrada do Estado, a PR 277 à ponte. Desde 2013, o proprietário da terra entrou com um processo de reintegração de posse.
Material de apoio a Mobilização e participação junto a Ocupação Bubas, 2015
Arruamentos e localização das residências na Ocupação Bubas, 2015. Escola Popular de Planejamento da Cidade, UNILA
Neste contexto, o trabalho da Escola Popular na comunidade se pauta tanto para a discussão da reestruturação urbana e social na região da fronteira, quanto no auxílio de sua defesa judicial junto a Defensoria Pública, realizando estudos, levantamentos e diagnósticos que permitam uma melhor compreensão da situação.
Na região Norte, conhecemos as áreas de reassentamento que vem recebendo famílias desde 1995.
Cidade Nova I e Cidade Nova II
Na região Norte da cidade encontramos outra violência relacionada ao despejo, sendo ela o atendimento habitacional segregador. Nos bairros Cidade Nova I e II, Vila Solidária, Vila Andradina e Almada, vemos caracterizada a expulsão planejada dos assentamentos populares anteriormente localizados junto aos rios Paraná e Iguaçu, há cerca de 15 Km das áreas atuais.
Trata-se de criação de novos bairros (que já nascem segregados e excluídos) fora da cidade, configurando-se como grave erro habitacional e urbanístico, com impactos irreparáveis as famílias que ficaram isoladas do restante da cidade e precisam se deslocar diariamente muitos quilômetros, em município que não dispõe de um eficiente e econômico sistema de mobilidade urbana.
Bairros Cidade Nova I e Cidade Nova II e os novos empreendimento à direita. Furnas, à esquerda
Os impactos destes deslocamentos forçados são diversos, já que o reassentamento apresentado como política habitacional de “desfavelização” pressupõe a construção de uma habitação mínima para atender essa demanda, desconsiderando outras necessidades como infraestrutura, transporte e equipamentos públicos como escolas e postos de saúde, ampliando a vulnerabilidade já existente nestas regiões.
Moradias localizadas próximas à Estação de Furnas
Os impactos se ampliam, por haver nestas novas comunidades reassentadas um grande número de trabalhadores – catadores e funcionários da rede hoteleira – que dependem da região central da cidade, onerando de forma significativa o seu cotidiano. Os reassentamentos em geral também desconsideram as redes sociais já estabelecidas, bem como os novos conflitos gerados nos processos dos assentamentos, gerando outras violências nesse deslocamento forçado.
Cabe notar que parte significativa das residências se encontra bastante próxima da Estação Transformadora de Furnas, que emite um ruído permanente 24 horas por dia. Alem disso inúmeras moradias se encontram relativamente próxima das diversas torres e cabos de alta tensão que saem da Usina em direção a inúmeras cidades brasileiras. Há relatos de incomodo por parte de alguns moradores com relação aos ruídos emitidos pela Estação Transformadora e também relatos de problemas de saúde, assunto que demanda maior aprofundamento por meio de pesquisas acadêmicas e cientificas e que serão realizadas em parceria entre a UNILA e a UFABC.
Ao final da visita notou-se que Foz do Iguaçu é bastante similar a outras cidades turísticas grandes e médias do Brasil, consideradas ricas ou economicamente dinâmicas. Possui, de um lado, a face desenvolvida, rica e elegante, possível de se notar próximo aos bairros consolidados e bem localizados da cidade, e de outro, a face, empobrecida, explorada e invisibilizada.
A ação pioneira da Universidade junto a essas comunidades cumpre um papel primordial no sentido de abrir-se para esta realidade, inovando no campo da extensão, da pesquisa e do ensino, na perspectiva do direito a moradia e do direito a cidade para todos. Trata-se de um belo exemplo de atuação da universidade pública diante de graves problemas contemporâneos que afetam as cidades brasileiras.
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