Por Denise Morado* e Daniel Medeiros de Freitas**

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Imagem mostra as intervenções no Vetor Norte da Região Metropolitana de BH

Desde 2003, o Governo do Estado de Minas Gerais vem promovendo uma nova centralidade em torno do Aeroporto Internacional de Confins (a 40 km de Belo Horizonte) – uma Aerotrópole – que se tornou a principal justificativa para a contratação, entre 2008 e 2012, de uma série de projetos que articulam empreendimentos privados e grandes investimentos públicos. A conclusão da Linha Verde, a viabilização da Alça Norte do Rodoanel Metropolitano, a duplicação do corredor Antônio Carlos/ Pedro I (e, em seguida, a Operação Urbana ACLO), a reestruturação rodoviária do entorno do município de Lagoa Santa e a construção da Cidade Administrativa de Minas Gerais são alguns exemplos de investimentos públicos articulados com propostas do setor privado, como o projeto Precon Park/Terras do Fidalgo e o megaempreendimento residencial para alta renda Reserva Real, entre outras.

Esses investimentos têm alterado a dinâmica de uso e ocupação do solo nos municípios envolvidos – Belo Horizonte, Lagoa Santa, Confins, São José da Lapa, Santa Luzia, Pedro Leopoldo, Vespasiano e Jaboticatubas e têm sido implementados através de duas frentes correlacionadas: (a) o aumento de poder para um conjunto de atores que deles se beneficiam e que também estabelecem as regras de produção desses projetos (investidores, bancos, agências de crédito, agências multilaterais, políticos, entre outros) e (b) a recorrente imposição de intervenções violentas no território, ou seja, intervenções cuja intensidade vem promovendo rupturas e desarticulações na produção do território (PPPs, Operações Urbanas, GPUs, remoções, alterações de legislação de uso e ocupação do solo, entre outras).

Os projetos privados têm sido financiados com recursos públicos, graças ao poder de decisão de certos atores, que têm acesso facilitado ao crédito (o que o parceiro privado investe é emprestado pelo Estado a partir do acesso de um grupo restrito aos instrumentos de crédito), resultando em grande acumulação privada de recursos públicos. Porém, no conjunto de projetos do Vetor Norte, para além desse modo tradicional de financiamento, as PPPs funcionam como um instrumento que permite ao Estado abrir novas frentes de empréstimo, e em melhores condições de crédito, aos investidores privados. As PPPs permitem também que o Estado crie novas demanda de intervenção infraestrutura que, além de beneficiar atores privados do setor de construção civil, possibilitam ganhos locacionais que beneficiam donos de terra e incorporadores.

Por outro lado, quando os financiamentos intensificam intervenções que beneficiam os mesmos atores privados, cujos interesses quase sempre são contraditórios aos interesses públicos (seja social, ambiental, etc.), e visando replicar a lógica de amplo beneficiamento de atores privados, inaugura-se um modelo de intervenção que se sobrepõe à política urbana (planos diretores, LUOS), resultando em aumento exponencial de remoções de pessoas, reestruturação de áreas urbanas de interesse e novas tipologias imobiliárias (condomínios e grandes edifícios comerciais). São sinais de agravamento dessa violência a pressão imobiliária em todo Vetor Norte, o aumento da repressão a ocupações urbanas relacionadas às desapropriações na Linha Verde e os impactos socioambientais associados à Operação Urbana do Isidoro (OUI).

Entre 2009 e 2015, 3.484 remoções por obras foram realizadas em Belo Horizonte, de acordo com reportagem do Jornal Estado de Minas publicada em setembro de 2015. A Linha Verde removeu, entre 2006 e 2007, 974 imóveis (entre moradias, estabelecimentos comerciais e domicílios de uso misto) de cinco vilas (dados da Urbel/Prefeitura de Belo Horizonte). Na região do Isidoro, também conhecida como Granja Werneck, com cerca de 3,5 milhões de metros quadrados e investimentos imobiliários projetados de R$ 15 bilhões, milhares de famílias (número impreciso que varia entre 5 mil e 8 mil) formam as ocupações Rosa Leão (desde Maio de 2013), Esperança (desde Junho de 2013) e Vitória (desde Julho de 2013). No mesmo território, 8.896 unidades do Programa Minha Casa Minha Vida/FAR estão previstas em contrato com a Construtora Direcional. Os conflitos  se ampliaram a partir da constituição de uma coalisão de distintos atores sociais, conformando o movimento Resiste Izidora, que se opõe a quatro ações de reintegração de posse dessas áreas, propostas pela Prefeitura de Belo Horizonte.

A análise do conjunto de projetos articulados no Vetor Norte da Região Metropolitana de BH indica que a localização dos mesmos sempre combina: ganho locacional proporcionado pelo conjunto de investimentos públicos, construção de uma ação de planejamento físico-territorial favorável a novos investimentos imobiliários, estrutura fundiária caracterizada pelas grandes propriedades de terra. Nesses casos, a viabilidade dos projetos está diretamente associada a decisões políticas que criam condições ideais para a ação de agentes econômicos. Trata-se de um modelo de produção do espaço que desarticula o território através da implantação de grandes enclaves, da pressão por novos loteamentos (incluindo avanço sobre áreas de proteção ambiental e interesse social) e da exigência de legislações locais mais permissivas, o que agrava processos de gentrificação e exclusão socioespacial.

A permanente narrativa de crise econômica, atrelada ao estoque mundial de ativos financeiros que não para de crescer, permeada pelo processo de neoliberalização, oferece as condições instrumentais e ideológicas para a estabilização do ciclo de acumulação vigente.

*Denise Morado possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pelas Faculdades Metodistas Integradas Isabela Hendrix (1986), mestrado em Master of Arts (Arquitetura) pela University of York, Inglaterra, (1990) e doutorado em Ciência da Informação pela Escola da Ciência da Informação/UFMG (2005). Atualmente é Professora Associada da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais, Bolsista de Produtividade CNPq, coordenadora do Grupo de Pesquisa PRAXIS (Práticas sociais no espaço urbano)***, participante da Rede Cidade e Moradia e da Rede Cidades UFMG, colaboradora da ICOB Open Building Plataform.

*Daniel Medeiros de Freitas é Arquiteto Urbanista pela PUC Minas (2000), especialista em Revitalização Urbana e Arquitetônica pela UFMG (2004), mestre em Arquitetura pela UFMG (2006) e doutor em Arquitetura pela UFMG (2016). Professor adjunto do Departamento de Urbanismo da Escola de Arquitetura e Design da UFMG e é membro do Grupo de Pesquisa PRAXIS (Práticas sociais no espaço urbano)***.

***  Grupo de Pesquisa PRAXIS (Práticas sociais no espaço urbano) faz parte do projeto “Estratégias e instrumentos de planejamento e regulação urbanística voltados à implementação do direito à moradia e à cidade no Brasil”. Saiba mais sobre o assunto.