Nesta semana, foi divulgado publicamente o Projeto do Centro Administrativo do Governo do Estado de São Paulo, que pretende concretizar a transferência da sede administrativa do bairro do Morumbi para a região central da cidade de São Paulo. O projeto será implementado por meio de uma Parceria Público-Privada, a PPP Campos Elíseos – Polo Administrativo, atualmente em fase de formulação. Juntamente com a divulgação da PPP, houve o lançamento de um Concurso para a escolha de um Estudo Preliminar de Arquitetura do referido Centro Administrativo, promovido pela Companhia Paulista de Parcerias (CPP) e organizado pelo Instituto de Arquitetos do Brasil em São Paulo (IABSP); e a publicação de um Decreto de Utilidade Pública (DUP), que declara de utilidade pública, para fins de desapropriação, as áreas e imóveis aonde se pretende implementar o projeto. Embora não haja divulgação dos estudos que levaram às definições do projeto até o momento, é possível que tenham sido usados os estudos elaborados pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE), em junho de 2023.

O Mapa Síntese apresenta que na área delimitada no memorial descritivo do concurso (área foco) o projeto pressupõe demolir ao menos cinco quadras, ocupadas atualmente por cerca de 800 pessoas, segundo os dados do Censo populacional do IBGE de 2022, parte das quais morando em regiões encortiçadas, conforme dados do Censo de Cortiços da Prefeitura de São Paulo de 2014, e demarcadas parcialmente como Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) 3 e 5 pelo Plano Diretor de 2014. Não há no projeto e nem no edital do concurso nenhuma menção a respeito do destino destes moradores, além do descumprimento da legislação urbanística em relação aos usos e destinação das ZEIS, conforme detalharemos adiante.

Mapa LabCidade
Clique aqui para conferir o mapa em tela cheia – Elaboração: Aluízio Marino e Alec Akasaka Benedusi, LabCidade, 2024.

Para além do tema de moradia, o projeto indica que o Terminal Municipal de Ônibus Princesa Isabel vai ser desativado para atender uma finalidade paisagística, de forma a prolongar e integrar esta área com o Parque Princesa Isabel. Contudo, não há nenhuma especificação de para onde será transferida esta infraestrutura de transporte público, que opera 18 linhas de ônibus que ligam o centro a diversas regiões das periferias, ou qualquer demonstração dos impactos dessa substituição, especialmente para os usuários do bairro (como as usuárias do Hospital da Mulher, equipamento público de saúde situado no perímetro do projeto). Também não há qualquer sinalização do local para onde o Terminal será transferido.

A remoção do terminal pode implicar piora das condições de transporte público. A sua realocação, dentro do perímetro do projeto, pode gerar a necessidade de novas desapropriações e remoções, com o dispêndio de mais recursos públicos.

Como a escala do projeto e como a própria descrição da PPP propõem, a transferência da administração estadual faz parte de um projeto mais amplo de reestruturação e “revitalização” do Centro de São Paulo, que tem sido implantado de forma fragmentada, mas que se fundamentam na desconstituição dos tecidos morfológicos, arquitetônicos, sociais e comunitários existentes de forma a possibilitar a abertura de uma frente de expansão imobiliária.

Trata-se de inúmeras iniciativas e projetos públicos que partem do pressuposto de que aquele território está vazio ou inabitado, que projetos podem chegar para “revitalizar” uma área, como se não houvesse pessoas que há décadas vivem e constroem esse território, que não são ouvidos e respeitados. Ainda, o projeto desconsidera a regulação urbanística municipal: nos termos do Plano Diretor municipal, projetos urbanos como esse devem seguir procedimentos de participação social.

O projeto portanto se insere nesse contexto de violações seguidas contra a população moradora e na direção da destruição das morfologias que marcam esta que é uma das áreas mais antigas da cidade.

Conforme o mapa dos lotes delimitados no DUP recém publicado, que contém áreas passíveis de desapropriação (ver mapa a seguir), as desapropriações irão atingir inúmeras pensões e cortiços, além de quatro áreas demarcadas como ZEIS-3 no Plano Diretor de São Paulo. A demarcação de áreas como ZEIS-3 significa que devem ser destinadas prioritariamente à permanência da população moradora, e respeitar ritos de democracia participativa estabelecidos na legislação urbanística antes de qualquer deliberação sobre intervenções a serem feitas na área, como argumentamos na nota técnica sobre os conselhos gestores.

Este é o caso da “quadra 48”, incluída no novo projeto da PPP Campos Elíseos. Para respeitar o disposto no Plano Diretor do município, seria necessário a implementação de um Conselho Gestor de ZEIS, o qual é responsável pela elaboração, discussão e aprovação (ou não) de qualquer intervenção naquele perímetro. As desapropriações, se levadas adiante, vão concretizar uma política do fato consumado irreversível e que impedirá a efetiva formulação de qualquer projeto com participação social.

LabCidade
Clique aqui para conferir o mapa em tela cheia – Elaboração: Aluízio Marino e Alec Akasaka Benedusi, LabCidade, 2024.

Os perímetros delimitados no Concurso como perímetros a serem demolidos abrangem as mesmas ZEIS, com exceção de uma, onde há previsão de permanência da construção preexistente – trata-se do Conjunto Carlos Marighella, com 131 Unidades Habitacionais, no Programa Municipal Pode Entrar, em construção na quadra 46, na esquina da Rua General Rondon.

Mapa LabCidade
Clique aqui para conferir o mapa em tela cheia – Elaboração: Aluízio Marino e Alec Akasaka Benedusi, LabCidade, 2024.

Mais uma vez, agora em 2024, está sendo desconsiderado o cumprimento dos princípios e das regras do Plano Diretor, como vemos com a não criação do Conselho de ZEIS da quadra 48, sem o mínimo de discussão pública junto às pessoas que moram, trabalham e circulam naquele território.

Por esse histórico de violência e desrespeito, pelo desejo da população que quer permanecer morando e trabalhando na região, que precisam ser escutadas e respeitadas, e melhorar suas condições de vida, é necessária a interrupção da realização da PPP Campos Elíseos – Polo Administrativo. Assim como o cancelamento da realização do concurso do IABSP, cujo edital incorpora os princípios, diretrizes e definições desta PPP.

A suspensão imediata do projeto é urgente. Para tanto, recomendamos:

  1. A revogação imediata do decreto de utilidade pública, e abstenção do Governo do Estado em iniciar as ações de desapropriação para o projeto do Centro Administrativo, DUP que incide sobre quadras inteiras, não respeitando os perímetros de ZEIS-3 e tampouco os imóveis tombados;
  2. A suspensão pelo Governo do Estado da PPP Campos Elíseos – Polo Administrativo, em especial: que se abstenha de dar andamento (i) ao chamamento público para recebimento de estudos de interessados da iniciativa privada; (i) à consulta pública dos documentos relativos ao edital de licitação; e (iii) à licitação de referida PPP;
  3. A divulgação dos estudos para formulação da PPP Campos Elíseos – Polo Administrativo contratados pelo Governo do Estado e elaborados pela FIPE (entregue em 02 de junho de 2023);
  4. Apresentação de estudos que demonstrem os impactos habitacionais e de mobilidade do projeto e que demonstrem a sua viabilidade;
  5. A instituição de Conselho Gestor das ZEIS-3 impactadas pelo Projeto;
  6. A instituição de processo participativo para formulação de projetos urbanos previsto no Plano Gestor;
  7. A suspensão do Concurso do IABSP, cujo edital tem como base um projeto que, como apontado nesta nota técnica, incorre em várias ilegalidades.

A nota técnica pode ser conferida na íntegra em PDF aqui.

 

Assinam essa nota técnica:

LabCidade FAUUSP – Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo

Observatório de Remoções 

Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos 

LabJuta UFABC – Laboratório Justiça Territorial da Universidade Federal do ABC

União de Movimentos de Moradia de São Paulo