Companheira, me ajuda, que eu não posso andar só. Eu sozinha ando bem, mas com você ando melhor.
Neste 8 de março, não teremos as já tradicionais manifestações de mulheres pelas cidades, ou mesmo qualquer encontro nas ruas. Além de ser este um momento importante de visibilidade às pautas feministas, é também tempo de troca, de fortalecimento mútuo, onde encontramos a energia que precisamos para seguir juntas, por meio dos gritos compartilhados, da música, dos abraços e dos afetos partilhados.
A ausência desses encontros, diante destes longos meses de pandemia, nos fará ainda mais falta. Por aqui, já está fazendo. Por isso, no lugar de escrevermos um texto crítico sobre as opressões de gênero interseccionalizadas às demais opressões, aprofundadas ainda nesse contexto de crise sanitária sob um governo que tem a morte como política, hoje queremos encontrar o acolhimento e a força que buscamos nas ruas no dia 8 de março, nas experiências de mulheres que já estão construindo outros mundos em seus cotidianos. E elas são muitas.
As experiências vividas estão no centro mesmo das teorias e movimentos feministas – onde a reflexão não é, e não pode ser, dissociada da prática. É possível dizer dos estudos feministas que vários deles se esforçam por fazer emergir, reconhecer e estimular os processos de mobilização social que têm as mulheres no centro, tomando o cotidiano de resistência como o cerne da transformação, como uma potência transformadora em um contexto de profundas contradições e conflitos.
O pequeno compilado de experiências brasileiras que trazemos aqui foi a forma que encontramos de apontar para um horizonte de esperança, pois acreditamos que é nesse fazer-cotidiano da vida, no estabelecimento diário de outras formas de se relacionar com a terra, com a cidade e entre nós, onde estarão indicados os caminhos que devemos seguir para escapar dessa espiral de destruição e construir outros mundos e futuros.
Por fim, como não poderia deixar de ser, deixamos aqui registrada a saudade e a lembrança de Marina Harkot, jovem urbanista feminista que tanto nos ensinou e inspirou, e que teve sua vida interrompida em 8 de novembro de 2020. Nossa companheira de pesquisa, de lutas, de fabulações de mundos. Marina Presente!
Aqui vão algumas experiências para conhecer, fortalecer e se inspirar:
Associação de Mulheres Indígenas Suraras do Tapajós (PA)
“Suraras do Tapajós é uma associação, integrada por mulheres de várias etnias, com a missão de combater a violência e racismo, para o empoderamento de mulheres indígenas em sua auto estima e na defesa de seus territórios. A Associação e o grupo de Carimbó Suraras do Tapajós estão atrelados sempre, pois é com o musical que (também) conseguimos falar a todos sobre os projetos que desenvolvemos enquanto associação.”
Casa Helenira Preta de Referência Para Mulher (SP)
A Casa Helenira Preta é um centro de apoio a mulheres em situação de violência que surge a partir de uma ocupação organizada por mulheres do Movimento de Mulheres Olga Benário. A Casa surge como uma resposta imediata a uma violência encontrada cotidianamente, mas, da mesma forma, representa e elabora reivindicações por políticas públicas para mulheres. A casa está localizada no município de Mauá, região metropolitana de São Paulo.
O Movimento de Mulheres Olga Benário está presente em várias cidades do país, colocando em prática a ocupação de imóveis ociosos para a construção de centros de apoio à mulheres em vários lugares pelo país.
Coletiva Popular de Mulheres da Zona Oeste (RJ)
“A Coletiva Popular de Mulheres da Zona Oeste é uma Coletiva que organiza mulheres e distintas organizações locais da cidade do Rio de Janeiro, em torno da luta radical anticapitalista, antirracista e antipatriarcal. A partir da experiência de auto-organização do Comitê Popular de Mulheres do estado do Rio de Janeiro, a Coletiva da ZO vem, desde 2014 realizando uma série de intervenções locais: trabalhando a formação feminista nos debates e ações de rua, na luta pelos nossos direitos de saúde, educação, moradia, entre outros, incidindo sobre as políticas públicas de saúde, no combate a violência contra as mulheres, pautas prioritárias na construção de nosso feminismo como espaço de militância.”
Coletivo Quilombelas (RS)
“Coletivo de Professoras Negras formado para criar dispositivos de intervenção nos espaços e tempos da escola através de discussões sobre negritude”. O Coletivo emerge em março de 2018, quando o assassinato da vereadora carioca Marielle Franco levou professoras negras de uma escola na zona sul de Porto Alegre a perceber a urgência de trabalhar a história, cultura e identidades negras com a comunidade escolar.
Coletivo Señoritas Courier (SP)
Em tempos pandêmicos ou não, o Coletivo Señoritas Courier, formado por mulheres, LGBTQ+ e imigrantes, faz entregas de bicicleta em São Paulo, uma opção de mobilidade ativa, com remuneração justa e ainda, ajuda a mostrar que elas podem, sim, pedalar!
Coletivo La Frida (BA)
O Coletivo La Frida parte das experiências de mulheres negras nos debates sobre mobilidade ativa, procurando igualdade de gênero e racial nos modos de se movimentar pela cidade, incentivando mulheres negras a utilizarem a bicicleta como modo de mobilidade cotidiano. Tem um canal de vídeos no La Frida bike no Youtube que conta um pouco a história do coletivo e tem dicas para andar de bike.
Mas para convidar as mulheres para pedalarem, desenvolvem o projeto Preta, vem de bike que ensina as mulheres a andar de bicicleta. Muitas não sabem andar, por vários motivos, um deles é que não foram ensinadas por outras mulheres, que não viam neste modo um lugar para o corpo feminino. O projeto se dá em Salvador – aulas costumam acontecer nas manhãs de domingo na sede do coletivo, no bairro de Santo Antônio -, mas elas circulam com estes cursos por várias cidades, podem estar passando pela sua cidade, especialmente se vocês convidarem!
Comunidade Bem Viver (MT)
A Comunidade Bem Viver é um espaço de tratamento especializado em dependência química e álcool para mulheres. Além da equipe de psicólogas e terapeutas, a Comunidade Bem Viver aposta em uma metodologia de tratamento que envolve aulas de yoga e arte-terapia.
Comunidade Menino Chorão (SP)
A Comunidade Menino Chorão, em Campinas/SP, nasceu de uma ocupação organizada por pessoas, na maioria mulheres, com histórico de despejos e remoções em suas trajetórias. A ocupação que surgiu para responder ao problema da moradia, em pouco tempo se viu diante de outro: a violência contra a mulher. As mulheres da Comunidade Menino Chorão se reuniram para combater a violência contra suas companheiras, usando um apito em casos de socorro, além de outras estratégias. Carmem, liderança local, se orgulha em dizer que sua comunidade é uma comunidade feminista. Hoje, recebem o apoio de organizações e coletivos desenvolvendo diferentes projetos junto às moradoras e moradores da Comunidade Menino Chorão, dentre eles, está sendo implantado um projeto de agrofloresta na comunidade, junto com o coletivo Pertim.
Cooperativa Quilombarras (TO)
A Cooperativa Quilombarras foi criada na comunidade quilombola Barra da Aroeira, localizada em Santa Tereza/TO, com o objetivo de divulgar os produtos quilombolas e reunir agricultoras e agricultores de outras comunidades quilombolas. Toda a produção é baseada nos princípios da agroecologia e conta com importante protagonismo feminino em todas as atividades desenvolvidas. Expressão disso é Maria de Fátima, a primeira mulher à frente da Associação Comunitária do Quilombo Barra da Aroeira, em quase 100 anos de história. Barra da Aroeira não é o único quilombo com importante atuação das mulheres: na comunidade Mumbuca, outra mulher se encontra à frente da associação e afirma:
“Mumbuca é uma comunidade matriarcal. As mulheres são muito especiais nessa comunidade. Há muitas gerações, as mulheres estão na frente no processo educacional, na gestão do quilombo, são agricultoras, artesãs, então, elas compartilham a organização da vida da comunidade”.
Cozinha Coletiva da Ocupação 9 de Julho (SP)
A Cozinha Coletiva é um projeto da ocupação 9 de Julho, organizada pelo Movimento dos Sem Teto do Centro (MSTC), localizada no centro da capital paulistana. Como é comum entre os movimentos de moradia pelo país, as mulheres estão à frente da ocupação e de seus projetos. Antes da pandemia, o Almoço de Domingo abria as portas da ocupação para toda a cidade, uma vez ao mês. Além do almoço, uma feira de economia solidária passou a ocupar os pátios, onde moradoras e moradores podiam comercializar seus produtos, junto a eventos culturais e políticos. Com a pandemia, a Cozinha segue funcionando, agora com entregas. Com isso, as mulheres da ocupação ganham autonomia e vão ressignificando os espaços – da cozinha como um espaço privado para a cozinha como espaço público, lugar de formação política e de solidariedade.
Feira das Mulheres de Itapuã (BA)
A Feira das Mulheres de Itapuã, Salvador/BA, é realizada pelo Coletivo Feminino Aldeia Itapuã, uma vez por mês. Por meio da economia solidária, as mulheres do bairro se organizam na preservação e valorização da história e cultura do bairro, ao mesmo tempo em que lutam por garantir sua autonomia. Além da Feira, o Coletivo também realiza diversas outras ações políticas e culturais no bairro.
Grupo de Maracatu Baque Mulher (PE)
Fundado em 2008 pela Mestra Joana Cavalcante, a primeira e única mulher à frente de uma Nação de Maracatu, a Nação Encanto do Pina, o Baque Mulher é composto exclusivamente por mulheres que cantam, dançam e tocam canções próprias.
“Sendo inspiração, Mestra Joana foi se sensibilizando a necessidade de trazer à tona discussões acerca do papel da mulher no maracatu de baque virado e de como o mesmo pode potencializar mulheres não somente participantes, mas também moradoras da comunidade do Bode e seu entorno, que muitas vezes não se identificam com as expressões culturais em cena justamente por não terem o protagonismo feminino.”
GT Mulheres da Articulação de Agroecologia do Rio de Janeiro (RJ)
No âmbito da Articulação de Agroecologia do Rio de Janeiro, o GT Mulheres criou a Cesta Cuidar-se, com a distribuição de cestas de alimentos agroecológicos, em comunidades do Rio de Janeiro, junto a uma cesta de cuidados: com fitoterápicos, homeopatia, óleos essenciais, tinturas e plantas medicinais. A cesta vai acompanhada por uma cartilha “Cuidar-se em tempos de reinvenção”, para o autocuidado de mulheres que estão na linha de frente no combate a COVID-19. Todos os produtos e a cartilha são feitos por grupos de mulheres participantes da AARJ.
Mapa do Acolhimento (Brasil)
“Somos uma rede de solidariedade que conecta mulheres que sofrem ou sofreram violência de gênero a psicólogas e advogadas dispostas a ajudá-las de forma voluntária.”
Rede de Agricultoras Paulistanas Periféricas Agroecológicas (SP)
“A rede tem como objetivo organizar as agricultoras de regiões periféricas da cidade de São Paulo para estimular a autonomia econômica, geração de renda e promover protagonismo feminino na construção de políticas públicas para mulheres.”
TamoJuntas (Brasil)
“Somos uma organização social composta por mulheres que prestam assessoria gratuita a mulheres em situação de violência. A TamoJuntas é composta por diversas profissionais: advogadas, assistentes sociais, psicólogas, pedagogas, médicas, dentistas. A ONG atua de forma voluntária em todas as regiões do país, na orientação, acompanhamento e acolhimento de mulheres em situação de violência e vulnerabilidade social. Realizamos atendimentos a mulheres em situação de violência de forma multidisciplinar e gratuita, visando a não revitimização.”
Vedetas, uma servidora feminista (Brasil)
A iniciativa ajuda grupos feministas nas suas atividades online a fim de aumentar a segurança e autonomia de mulheres na internet. Além da servidora, que pode ser acessada por meio de um pedido por email, a plataforma disponibiliza uma série de materiais, oficinas e tutoriais sobre direitos na rede, ferramentas e formas de proteção online.
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